28 agosto, 2015

Colecciono pores-do-sol


Colecciono pores-do-sol

 

            Fechada nos meus silêncios e neste caminho cheio de encruzilhadas, colecciono pores-do-sol todos diferentes, em cada fim de tarde. Poderia colecionar calendários, latas de cerveja, copos de cristal, …

            Colecciono pores do sol.

            Junto-os um a um, ondeados por outros e outros de cada dia registados na minha memória, ou não apenas. São todos especiais, coloridos por aguarelas delicadas ou vibrantes, pinceladas atrás de montanhas ou ao fundo de um mar imenso, casando com a linha do horizonte e aceitando a sobreposição de pequenas neblinas, fumarolas ou entre nuvens ameaçadoras.

            Gosto deles vibrantes, que se vão formando ao longo dos últimos minutos do ocaso, acentuando-se o pigmento carmim, perante o meu deleite de espectadora atenta e coleccionadora de pores-do-sol. O meu olhar sensível a estes cenários fabulosos que a natureza nos premeia, abre pensamentos sobre a nossa ínfima pequenez no universo, feita de pequenas escalas de interesses que na verdade, nada interessam, perante o espectáculo oferecido gratuitamente e diariamente pelo astro-rei. Produzem em mim, silêncio, entre vários outros silêncios e sossegam um pouco a minha inquietação permanente cifrada em milhentas tarefas que aceitei realizar neste planeta cada vez menos azul.

             A relatividade de tudo perante um festival de cor e de perfeição, na última meia hora do dia, contendo o momento mágico, esfuma contradições e secundariza as grandes questões do mundo. Só perde quem não vê.

            É indescritível o pôr-do-sol, assistido a partir do templo de Poseidon, cabo Sounion, Grécia.

            É mágico o pôr-do-sol tendo o Taj Mahal, como cenário, na Índia.

            É absolutamente esmagador o pôr-do-sol na savana africana.

            Também aprecio o pôr-do-sol, filtrado pela serra do Marão, de costas para a pequena capela de Nossa Senhora de Guadalupe, localizada em Mouçós - 5 séculos de história que tem como rotina presenciar diariamente o sol a esconder-se atrás da serra do Marão, lá longe, um pouco antes do infinito. O recorde morfológico da serra, pode virar perfil iluminado e inundando de luz tudo o que o rodeia nos diversos planos da perspectiva, mas também pode virar perfil de luz coada pelas nuvens produzindo efeitos celestiais divinos, realçando formas que por vezes andam esquecidas tão perto de nós.

            É um espectáculo popular e diversificado, irrepetível e diferente consoante a localização do observador, capaz de despertar o lado poético e romântico do ser humano e a sua capacidade de reflexão. Parece que cada um é realizado de propósito para cada um dos nós, como se cada um fosse a pessoa mais importante do mundo e o centro do universo.

            Os astro-rei não pára de nos surpreender quando se despede– cada vez mais cedo, cada vez mais cedo, cada vez mais cedo…. e depois, cada vez mais tarde, cada vez mais tarde, cada vez mais tarde. Espero que volte sempre.
AQ
 
Publicado em NVR 19/08/2015

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