21 outubro, 2008

Bairro Operário

Respondendo ao desafio de um dos leitores do Pensar e Falar de Angola, escrevi este texto que é apenas uma análise pessoal da evolução histórica do Bairro Operário, localizdo na cidade de Luanda, Angola, que certamente conterá incorrecções.

Foi publicado em

"O Bairro Operário da cidade de Luanda situa-se a noroeste do centro da mesma, enquadrado na malha urbanizada, formada pelos acessos asfaltados, na cidade de cota alta, num plateau privilegiado tanto ao nível da visibilidade para o mar e porto de Luanda, como ao nível da salubridade, zona fresca e arejada.

A sua morfologia sempre foi plana, sem qualquer relevo aparente, de chão feito de areia quente e vermelha.

Não conheço qualquer documento cartográfico anterior à década de 50, que indique os seus limites primitivos; Estima-se que ele exista desde o século XIX, acolhendo negros provenientes do Norte de Angola, no entanto a ocupação por cubatas, na parte alta das denominadas “barrocas” surgem em documentos do século XVI.

Numa planta do século XIX, quando "Luanda" ainda se escrevia com "o", vem já assinalado o Bairro Operário na parte superior do grande declive morfológico assinalada por Kipakas. No desenho urbano da cidade, aparece nas plantas dos anos 60 e 70, como espaço engolido pela expansão da cidade, nos seus eixos radiocentricos.




Foram traçadas as grandes avenidas que além de afirmar o seu radiocentrismo, tinham a particularidade de unir relevos distintos, a cota ao nível do mar, às cotas mais elevadas e mais distantes da baía de Luanda.

O desenho urbano de expansão avançou certamente à força da régua e esquadro, sem qualquer preocupação sobre quem ocupava o território, dando continuidade aos canais de acesso à cidade antiga, em direcção ao Cacuaco, Catete e Barra do Kuanza, mas com o triplo da largura onde esta teria sido medida, pela dimensão da manobra de inversão de marcha de uma espaçosa Dodge (isto sou eu a pensar…mas não sou suficientemente conhecedora de veículos de 40 e 50).


Assim terá sido traçada a antiga Av. Paiva Couceiro (ver planta - traço a verde), que tal como o militar, invadia territórios de terra vermelha, formava uma barreira inequívoca a qualquer alargamento do Musseque Bairro Operário, para sudeste, auxiliada pela quase paralela António Enes (rosa), localizada mais sobre o mar, estrangulando assim aquele pedaço de areia catingosa e vermelha, onde obviamente viviam angolanos de origem negra, os chamados indígenas.
Para que não restassem dúvidas, ao longo desses novos acessos foram implantados edifícios com cérceas de 5, 6 e 10 pisos.


Para rematar o tal plateau, ou terraço virado para o mar, com vista para o porto de Luanda, Ilha e oceano, considerado um ponto de visão geo-estratégica, e para conter ou eliminar os acessos pedestres e rápidos existentes, ao porto de Luanda, e à linha ferroviária, localizada na cota inferior, planeou-se um anel bem urbanizado de vista panorâmica ocupado pelas classes sociais mais elevadas e deu-se-lhe o nome de Miramar (circulo azul).O lado sudoeste era bem vincado o limite e a diferença com o Bairro do Café.


O limite do lado do Bairro de S. Paulo era pouco rigoroso, interpenetrando-se mutuamente, mas com o clero a marcar presença e limite no território do musseque – igreja de S. Paulo e a sua Missão (laranja).Todas estas manobras urbanísticas ilustram bem como se controla no território, as possíveis oposições políticas, ou o nascimento de qualquer revolta popular. A técnica é o esmagamento, o estrangulamento, a asfixia, a paralisia das vontades através do asfalto:
_ Não mata mas não deixa mexer.

Aliás técnica que os urbanistas de Salazar aplicaram com mestria em território continental, especialmente nas ilhas e outros bairros camarários da cidade do Porto, incómodos pela concentração da população operária insatisfeita.
O desenho apresentado em planta do BO (tratamento carinhoso e simplificado deste musseque) não corresponde ao desenho existente no local, durante os anos 60. Nessa época era um Musseque virado para o seu interior, onde houve a preocupação de o dividir e rasgar na sua parte central por um grande acesso, que possibilitava o patrulhamento pela Policia Militar Portuguesa, assegurando níveis de segurança aceitáveis para os colonos portuguesesNos anos setenta, de musseque engolido passou a bairro assumido como imagem de tolerância e misceginação que convinha a Marcela Caetano.
De musseque esmagado passou a musseque integrado na malha urbana, espelho da tolerância dos portugueses e do bom convívio entre raças e origens, passando até por um bairro bem organizado para quem visualizasse a planta da cidade. Não sonhando ainda com um google earth, só sobrevoando Luanda ou apreciando a vista de um edifício mais alto se tinha a visão completa do bairro e de que tipo de integração se tratava.No inicio de 70, iniciou-se um plano de urbanização que avançou com alguns blocos de apartamentos nas franjas do musseque virado para o Miramar, com o objectivo de retirar a “nódoa” do Musseque BO da mallha urbana.
Um dos seus limites era visível das embaixadas/consulados dos países estrangeiros que entretanto abandonaram a baixa da cidade e se transferiam para a cidade alta e proliferavam pela zona do Miramar, o que perturbaria a digestão dos srs embaixadores, tendo como vizinhos as cubatas do BO, ou míseras construções de madeira com coberturas de zinco.
Os interesses especulativos existentes naquele local da cidade terão sido também uma grande pressão para acabar com o BO, no entanto a imagem de colonizadores tolerantes tinha diversos partidários e acabou por germinar um paradoxo que se concretizou pelo prolongamento do tempo de vida do BO.Assim sobreviveu o BO.
Não morreu, sobreviveu sempre fortemente controlado – sem água, sem saneamento básico, sem escoamento de águas pluviais, sem ruas asfaltadas, sem condições de habitabilidade e iluminado em pontos estratégicos.
Ao sábado os tambores gemiam pela noite fora no compasso do bater de coração engaiolado. Seriam os N’gola Ritmos seriam outros?
Mal raiava o sol, as quitandeiras dirigiam-se para direcções opostas, ou Kinaxixe ou Mercado de S.Paulo, embrulhadas nos seus panos com a criança mais nova às costas.
É neste BO que nasce uma consciência politica de gente colonizada, e onde germinou a luta anti-colonial, onde viveram figuras importantes dessa luta, Agostinho Neto por exemplo, e por isso em 1961 foi cercado por militares.
Mas já na década de 50 que este bairro era o alvo visado pela policia politica portuguesa (PIDE) pois continha uma forte actividade politica, cultural e de reuniões clandestinas, culminando por vezes com diversas prisões.
É também neste BO onde as negras e mulatas se prostituíam a todas as horas dentro das cubatas com ou sem porta, procuradas pelos militares portugueses, que depois ou antes do prazer, já alcoolizados, se envolviam constantemente em rixas que terminavam muitas vezes no posto da policia.
Entre ais e uis de prazer puramente carnal, para além do vazamento dos fluidos corporais, sonorizavam-se outros fluidos encarnados duma outra substância: A INFORMAÇÂO.
É este o bairro emblemático de Luanda que servirá de suporte à maior transformação da sua vida, numa operação urbanistica aguardada neste século XXI, que acabará de vez com o musseque e entrará na era do betão armado e do condomínio fechado, apagando todos os vestígios, mesmo aqueles que fazem parte da história da independência do território angolano.
Preparem-se!
anabela quelhas

9 comentários:

Anónimo disse...

Fizeste uma análise muito interessante. A primeira que eu li, não há nada escrito sobre os musseques de Luanda.
Parabéns

Anónimo disse...

Fizeste uma análise muito interessante. A primeira que eu li, não há nada escrito sobre os musseques de Luanda.
Parabéns

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

http://recordacoescasamarela.blogspot.com/2008/07/fotos-da-exposio-feira-15-de-agosto-de.html
Anabela

Tem em conta isto.
Um beijo
Fernando Pereira

Pena disse...

Anabela:
Uma brilhante e sensacional dissertação sobre a "magia" dos Bairros Operários de Luanda.
Parabéns sinceros.
Sempre a ler-te agradado pelo imenso poder genial que "mora" em ti.
Creio que "eles" persistem em ti e no teu "sentir" saudoso.
Bj

pena

Extraordinário, amiga!

Anónimo disse...

Conheci-te na sanzalangola e reencontrei-te por aqui, continuas a escrever sobre Angola.... e eu continuarei a ler-te.

Unknown disse...

adorei pois cresci e vivi neste bairro parabens

Ecriprity disse...

B.O os musseque de Luanda boa OP sua. intrepretacao seria e com estrutura escanência.

Ecriprity disse...

Boa Intrepetracao, o.p sua escelente B.O sua origem e sedmentacao.

Ecriprity disse...

Bue fixe sua O.P