16 novembro, 2022

JOSÉ SARAMAGO

 

JOSÉ SARAMAGO


Nesta semana comemora-se o centenário do nascimento do nosso Nobel da Literatura. Comecei a ler Saramago há muitos anos. Estreei-me com a Jangada de Pedra uma obra fácil de ler, uma ficção que me fez sonhar e converteu-me definitivamente em Ibérica, devido ao seu significado mais profundo, que me levou ainda jovem a diversas reflexões geografias e geo-estratégicas. A imagem de uma península à deriva, converteu-se numa utopia que me divertiu imenso, atribuindo ao autor capacidades excepcionais no mundo da criatividade. Pensei que nunca mais o queria perder de vista, porque nele “apostaria todas as fichas”.

Depois todos falavam de um livro sobre o Convento de Mafra e comprei logo a seguir Memorial do convento e outras obras se seguiram. Sobre esta obra, fui particularmente sensível e curiosa, porque ao nível da arquitectura sempre me impressionaram construções gigantescas e esta abordava a sua construção numa outra perspectiva, nomeando a massa humana e anónima que o construiu para cumprir a promessa do rei. Com esta obra percebi que no passado, quanto maior é a grandiosidade de uma obra de arquitectura, maior é o esforço do povo, a miséria e a fome. Anos mais tarde, quando visitei S. Petersburgo, percebi definitivamente a revolução Russa de 1917. Nas grandes obras havia sempre estes dois lados, em que a “escravidão” é ofuscada e até tolerada, mediante o fascínio da monumentalidade, a escala desumana e tanto rebicalho dourado. Foi assim nas pirâmides do Egipto, e continuou.

A leitura dos livros de Saramago, gerava partilha de opiniões entre mim, uma das minhas irmãs e o meu pai. Para além da qualidade da escrita, ficou em mim essa aproximação afectiva de três pessoas que saudavelmente opinavam sobre as obras de Saramago. A minha maturidade foi crescendo pontuada por algumas obras que se iam publicando e com esse diálogo literário caseiro.

É bom quando acabamos uma obra e sentimos necessidade de ver a listagem das obras que o escritor já escreveu. Com Saramago foi assim. Melhor ainda, é querermos ter todas as obras na estante e ir lendo conforme apetece. Algumas ainda não li, mas irei ler.

O Evangelho segundo Jesus Cristo, foi condenado pela Igreja católica e Saramago foi impedido, pelo governo português, de concorrer a um prémio europeu; Cavaco Silva e Sousa Lara, apresentaram-se como a parelha retrógrada da arte de escrever. A igreja e estes dois, esqueceram-se que há muitos crentes, que possuem outra visão da figura histórica de Jesus e todos os questionamentos são possíveis, por algo que aconteceu há dois mil anos. Talvez tenha sido o melhor marketing que Saramago poderia ter. Passou a ser ainda mais conhecido com este boicote cultural – a alavanca do lápis azul – e Saramago partiu para Lanzarote com a sua Pilar, não estando para aturar estes políticos incultos.

Em resumo, penso que teremos 39 obras, que abordam diversos temas, Prémio Camões e Prémio Nobel. Em 2010 a sua obra estava traduzida para 42 idiomas. Como disse Pilar, quando um autor é famoso fica conhecido por uma ou duas obras, Saramago é conhecido por muitas obras. Os leitores de Saramago sabem o que estou a referir. Qual é a melhor obra? São tantas!

Alguns leitores afirmam desagrado pelo sucesso de Saramago, justificando-se que ele escreve em mau português, sem pontuação correcta, sem vírgulas, sem regras…. A sério? Nunca reparei!… Aliás tudo é muito relativo, uma arquitecta no passado, é agora arquiteta, que até me confrange ser isso, porque nem tenho, nem aprecio.  Esta justificação rota e esfarrapada, quanto a mim, chama-se alergia por ele ser comunista assumido. Lobo Antunes ainda mais criativo, talvez o que ultrapassa mais barreiras linguísticas, é inofensivo, quando muito chamam-lhe aluado e louco.

A literatura é um arte,… mal da arquitectura, da pintura, da música, e da dança se não existisse Le Corbusier, Picasso, Led Zeppelin, Isadora Duncan… Felizmente são às centenas, os artistas que rompem com a tradição, com as regras e com os limites. Pensem bem, se esse argumento fosse válido, os pintores não teriam feito mais nada, depois de Leonardo da Vinci e de Miguel Ângelo.

“A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver.“ José Saramago

Publicado em NVR, 16/11/2022

1 comentário:

Carlos Té disse...

Muito bom. Essa descrição é fabulosa.