12 outubro, 2022

CENTENÁRIO AGUSTINA


 

Centenário de Agustina

As comemorações do centenário de José Saramago passaram o centenário de Agustina Bessa-Luís um pouco para segundo plano. O que vale é o mundo cultural do Porto e Norte que não a esquece.

Agustina nasceu em Vila Meã em Amarante, porém viveu a maior parte da sua vida na cidade do Porto, integrando a elite intelectual portuense. Escreveu muito e bem, focando o seu interesse nos sítios, nos lugares, nos espaços onde viveu e escreveu sobretudo sobre as mulheres.

Lembro-me sempre dela já idosa, usando penteados fora de moda, roupas por vezes com alguma exuberância, mas, uma exuberância antiga e mofada, nunca esquecendo um adorno coquete. Pouco elegante, eu diria mesmo com excesso de peso e pouco bonita, que poucos a imaginariam uma pessoa activa, atenta, inteligente, rigorosa, trabalhadora, criativa, moderna e profunda.

A escrita dela não é cosmopolita, é rural, delineada em espaços largos ou apertados, tradicionais, auto-portantes, com pouco ou nenhum betão – as quintas, os solares, as casas durienses, os casarões e os casebres, perdidos nos caminhos íngremes e apertados conquistados à natureza. As famílias e as mulheres possuem este enquadramento, as famílias com sucesso, as famílias arruinadas, as problemáticas que circunstanciam todo esta ambiência pouco moderna, mas real, localizada a poucos quilómetros do Porto, e a 4 horas de Lisboa. Agustina explora as ligações familiares que influenciam sempre a vida das personagens, o vínculo à terra e à tradição, com sentido crítico ou não. A abordagem do casamento como sendo a união de património, perspectiva tradicional, a virilidade, a cólera, a virgindade, a maternidade, o sofrimento, a fúria, a desigualdade… tudo isto podemos encontrar nesse legado ficcional que nos deixou. 

A descrição de lugares ora pitorescos, formosos, poéticos, secretos, encontrados no Douro, ora lugares menores, desenvolvem-se agora um pouco desformatados pela nova circunstância do turismo de massas. Ficará o registo de como foi, esse território provinciano e claustrofóbico, onde também eclodiam paixões complexas, porque a paixão e a sedução não escolhem dono, nem lugar…

Agustina retrata estas identidades femininas só possíveis nestes territórios, nestas casas de Douro no horizonte e que Manoel de Oliveira teve a astúcia e a perspicácia de explorar na 7ª arte.

Publicado em NVR em 12/10/2022

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