25 agosto, 2021

O C-17


 

O C-17

              As imagens transmitidas pela televisão e web são aterradoras.

              A fuga desesperada aos talibans que ocuparam pela força, Cabul, tiradas no aeroporto chegam a ser surreais.

              A terra é deles, mas o terror gera solidariedade que deve falar todas as línguas e ser transversal ao universo.

              Apesar de se apresentarem agora 20 anos depois, como mais moderados e respeitadores, não queria estar na pele daquela gente, especialmente sendo mulher.

              O aeroporto abarrotava de gente e o que mais me impressionou, foi a invasão da pista e as pessoas subirem para o avião ou agarrarem-se na parte exterior do mesmo, em atitude de desespero, mesmo sabendo que do lado de fora do avião ninguém iria conseguir sair dali. Chama-se a isto a fuga para a sobrevivência. Uns caíram, outros foram atropelados e outros morreram. Alguns conseguiram levantar voo e ainda sobrevoar Cabul e caíram. Outros ficaram esmagados na descolagem. 

              A imagem do interior do avião parecer ser fake, mas o drama persiste. 640 pessoas a bordo deste avião preparado para uma lotação de 100 pessoas, e mais uns milhares, retiradas noutros aviões nos dias seguintes. O C-17 foi uma amostra para o mundo.

              Neste conflito, nunca sei qual é o lado da razão, nunca conheço todos os antecedentes, nem as estratégias da política internacional. Sinto-me pequenina e frequentemente manipulada, apesar do meu esforço de clarificar questões, mediante este gigantesco tabuleiro de xadrez. São os americanos, é a Rússia, são os mujahidins, é o Osama Bin Laden, é a Al-Qaeda, é a revolução afegã...  desconheço quem é a dama, o rei, os cavalos, os bispos e as torres, porque umas vezes são uns, outras vezes são outros, oscilam entre as pretas e as brancas e o tabuleiro quadriculado é um espaço ilusório e disforme, cheio de buracos negros, armadilhas e diplomacias internacionais trilhadas em caminhos miméticos e violentos. Cada um tem o seu valor e o seu movimento, ora em ataque, ora em defesa...só reconheço os miseráveis peões, as mulheres e as crianças, seres considerados menores e sem direitos, que sofrem abusos constantes, sem poderem ter uma vida digna e livre, ou melhor, se podem, na verdade, resistir e sobreviver – um drama humanitário. Por vezes tudo parece tranquilo e equilibrado até que um xeque-mate surpreende a nossa inércia boçal, sempre com a tradução em sofrimento dos peões.

              Cada vez mais gosto de viver onde vivo, onde tudo se poderá resumir, se a avenida tem árvores ou não, se temos um rego com vaporzinhos e qual a sua função, para que servem passeios tão largos na minha rua, onde não passa ninguém, as reclamações do condutor do carro dos bombeiros contra a rua larga, de acesso estreito, o muro do tribunal, o banco corrido que parece a espera da “carreira”, a calçada à portuguesa que foi à vida...

              Ufa, gosto mesmo disto, desta paz tão pouco problemática e destes confrontinhos de cacaracá, que não matam, nem ofendem ninguém. 

              Não quero outra vida!!! Como sou feliz!

Publicado em NVR, 25/08/2021

1 comentário:

R, Figueiredo disse...

Muito bem, para já só temos pequenos problemas. Bj