09 outubro, 2019

FREITAS DO AMARAL

FREITAS DO AMARAL
            A primeira vez que vi Freitas do Amaral, o professor catedrático de Direito, foi através da televisão, nos tempos de antena das 1ªs eleições legislativas (Abril de 1975). Éramos todos inexperientes na democracia e desconhecíamos a importância dos media na divulgação de mensagens/informação. Nesses primeiros tempos de campanha eleitoral, com tempos de antena muito limitados, onde muitos ficavam com o discurso a meio, Freitas do Amaral surgiu no écran com o seu olhar de corvina assustada e iniciava o tempo, fazendo o sinal da cruz. Esta gestualidade não colheu grandes simpatizantes. Não havia sondagens, a informática estava em embrião, certas contas ainda se faziam de lápis na orelha, nada se sabia de técnicas de comunicação e marketing em campanhas eleitorais, como estas influenciam as massas e havia de facto um grande número de votantes cristãos, a quem o sinal da cruz de um democrata cristão, poderia assentar bem. Rapidamente reconheceu que se tornava um pouco ridículo, num Portugal pós Abril, quase no final do século XX, feito de homens de barbas ou grandes patilhas, numa campanha eleitoral, onde vale tudo, menos “arrancar olhos”, apresentar-se com o sinal da cruz. 
            Os tempos eram de revolução, de punho no ar e grandes murais e seguiu-se o verão quente de 75, recheado de assaltos a sedes de partidos e a rede bombista… a sociedade extremou-se e Freitas do Amaral foi o rosto da direita portuguesa.
            Distinguiram-se quatro personalidades no espectro político, os verdadeiros pais da democracia portuguesa (da esquerda, para a direita): Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral. O jogo era feito por estes quatro homens, especialistas no direito, cada um representando um partido político, uns cantando mais victórias do que outros, alguns marcados pelo exílio… o equilíbrio da nossa sociedade deveu-se sem dúvida a estes quatro grandes. Cada um com o seu estilo e fisicamente distintos, fizeram a alegria dos caricaturistas portugueses, que regularmente popularizavam cartoons de sátira política. 
            Em 1986, Freitas do Amaral, concorreu para Presidente da Republica representando o CDS (partido que fundou) e o PSD (já órfão de Sá Carneiro) e os outros opositores foram Mário Soares, Salgado Zenha, Maria de Lurdes Pintassilgo e Ângelo Veloso. Freitas do Amaral teve mais votos, mas o sistema obrigou a uma segunda volta, disputando o cargo com Mário Soares. Que me lembre, foram as eleições mais participadas e agitadas, da democracia. O país dividiu-se em dois e a esquerda teve que engolir o “sapo” identificado publicamente numa entrevista a Cunhal, votanto maciçamente em Soares conferindo-lhe vitória, com mais 2% de votos do que Freitas do Amaral.
            Parecia mais velho do que de facto era. Um dia descobri que ele não era tão velho como aparentava e apesar de raramente aparecer com a sua mulher, esta era uma das mais bonitas companheiras dos nossos políticos - uma beleza serena, delicada e cuidada.
            O grande paradoxo deste senhor da política e das leis, deveu-se ao facto de ser sido fundador de um partido e de o ter abandonado, sabe-se lá porquê. Sofreu o exílio do seu próprio partido. Palavra, que isto sempre me fez confusão e foi esta a razão pela qual me decidi escrever, reconhecendo a sua rectidão como líder. O ardiloso Paulo Portas pareceu estar na base do seu afastamento e o super-paradoxo é vê-lo aproximar-se da esquerda, exactamente do partido do seu grande rival, Mário Soares. Um dia em entrevista teve a lucidez, a coragem e o humor para explicar, referindo que não tinha sido ele que virou à esquerda, ele manteve-se no mesmo sítio, o mundo é que tinha mudado, a engrenagem política também e o CDS teria rodado para direita, onde ele não se integrava — um homem quase eleito pela direita, acabou ao lado da esquerda.

            Hoje os jornais referem: “Um Homem que fundou um partido e morreu politicamente só”. (in Público on line).

Publicado em NVR

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