07 agosto, 2019

woodstock 50


Woodstock 50

                Woodstock foi uma referência para as gerações que viveram o final da década de 60, a década das grandes revoluções, apregoando “peace and love” e “é proibido proibir”.
                Os saudosistas, aqueles que se iludem que podem parar o tempo e restaurar as emoções, pretenderam assinalar a efeméride com a repetição do festival após 50 anos, no mesmo local e reunindo alguns músicos que ainda se encontram operacionais e activos (são poucos).
                A organização revelou-se problemática e tudo resvalou para um grande fracasso. Ainda bem!
                O que me impressiona em tudo isto é o desejo do repetir, o revivalismo de uma situação que hoje já não teria significado algum, porque o mundo em 50 anos deu muita volta.
                Hoje, o que é a contra-cultura?
                Qual é o interesse do Woodstock sem Jimi Hendrix, Janis Jopplin, Joe Cocker, Ten Years After ou sem os Crosby, Stills, Nash & Young? Só serviria para deprimir os que ainda andam por cá.
                Qual é o interesse de um festival de música, quando todos os anos existem milhares de festivais por esse mundo fora? Aquele foi único, mágico e irrepetível.
                Faz-me lembrar os encontros de amigos que já não se veem há mais de 40 anos, antigos colegas de escola, em que à euforia que antecede o evento, sucede a decepção, porque nada mais é igual. O tempo não se engana, apenas o Homem quer e insiste em enganar-se.
                Aquela fulana boazuda que atraia os olhares do sector masculino, é agora uma velhinha cheia de varizes que anda com uma muleta e sofre de azia permanente, aquele jovem alto, loiro, de olhos azuis, que encantava a ala feminina, é agora um ancião calvo, barrigudo e com uma dentadura desarticulada que se mexe como se tivesse vida própria. As raparigas de cabelos escuros passaram a senhoras loiras, os rapazes bons de conversa, não passam de velhos canastrões. E tudo cai com a força da gravidade, não se iludam, tudo cai, são as mamas, são as papadas, são os glúteos, é a barriga avental, são as peles oculares… e tudo o resto que vocês imaginam. A pele cresceu e os super, híper balzaquianos mirraram.
                É impossível disfarçar as artroses, os joanetes, as manchas na pele, os esquecimentos, o aparelho auditivo e os tremeliques parkinsianos. É impossível não lembrar aqueles que já partiram. E é impossível resgatar o passado.
                Depois do impacto desolador inicial, porque a maioria não se reconhece, cada um desenrola a família, evidenciando os maiores sucessos, os casamentos (normalmente 2 ou 3) e depois, tudo se resume às dores daqui e dacolá. Um queixa-se, o outro queixa-se também, porque tem um problema semelhante… as emoções da juventude e da defesa de grandes causas dão lugar às sensações de dor e às decepções da geriatria. É a politica, é o futebol, é a saúde, é a reforma… nada está bem. Sugerem-se mezinhas e publicidades enganosas da internet, para curar certos males. Poucos tem novos projectos, cada um é mais conformado do que o outro. As mulheres convertem-se à igreja e os homens vão de arrasto.
                Alguns apresentam-se descompostos, outros têm mau hálito, cheiram a tabaco e a álcool. Poucos arriscaram uma plástica, e mesmo assim ao sorrir levantam ligeiramente uma das pernas e as sobrancelhas quase chegam até às orelhas. Claro que não chegam com as mãos aos pés, devido às cruzes enferrujadas, mas as sobrancelhas quase tocam as orelhas.
                Quase todos usam óculos e felizmente todos têm orelhas para os pendurar, caso contrário… (faz-me lembrar uma anedota).
                Se há almoço, antes da refeição cada um saca dos comprimidos e alinham-nos paralelos ao talher. Trocam-se números de telemóvel e finge-se uma alegria idiota e irreal, quando o coração se apertou para sempre. É difícil digerir o tempo.
                Poupem-me! não quero saber de Woodstock nenhum, quero conservar apenas o que me ficou em memória, para ainda alimentar os meus sonhos.
                Todos nós fomos felizes naquela época, não porque a época foi especial, mas tão sómente porque eramos jovens.
                Será sempre assim.

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