11 julho, 2015

Camaro lindo


Camaro Lindo

                Um amigo meu, olhou-me de soslaio com olhar crítico, pensando que eu tinha enloucado, quando afirmei que até do cheiro a combustível queimado, eu tinha saudades. Gostava do som dos motores, dos arranques, do chiar dos pneus nas curvas, dos estampanços… Claro que era eu a dissertar sobre as corridas de Vila Real, realçando que várias gerações vibram ou já vibraram com este grande evento de rua, que Vila Real se habituou a ter, umas vezes tendo e outras não tendo, mas fazendo parte da identidade desta cidade e dos seus cidadãos. Velhos e novos, geralmente gostam dos motores a acelerar. Venham-me dizer que o som dos automóveis é todo igual… não é mesmo! Em 1931 que este gosto germinou e cresceu até hoje, com muitas intermitências, alimentando as emoções, as vivências e constituindo memória logo após a chegada dos automóveis à meta.

                Costumo receber os meus amigos em Trás-os-Montes, brindando-os com uma miniatura de um pucarinho de Bisalhães atada a um texto de Camilo Castelo Branco. Depois numa segunda volta, ofereço um livro da Graça Morais, “ilustrado” com o Reino Maravilhoso de Torga. Numa terceira volta, é um livro sobre as corridas de Vila Real que eu selecciono para oferecer. Este evento, só da minha parte, já correu mundo: Brasil, Canadá, Austrália, India, Rússia, Chile… levar Vila Real a todos estes lugares, é obra! Alguns maluquinhos das máquinas corredoras, não sabem bem se Portugal é uma região de Espanha, mas sabem onde fica Vila Real das corridas pelo seu circuito urbano.

                Nesta cidade, sou sempre um ser de passagem e portanto não fui assídua entre os motores, mas fui assistindo à mudança das metas: primeiro em frente ao parque florestal, depois na avenida Aureliano Barrigas, Mateus e no sítio actual. Comecei o meu currículo, ainda muito criança, em Julho de 1966.

                Não posso deixar de escrever que assisti a uma final memorável, em 1973, na sua 20ª edição, entre Ernesto Neves e Pêquêpé, ambos corriam com Chevrolets Camaros, de trabalhar inconfundívelmente manso, sereno, eficaz e silencioso, primos direitos de um carro do meu pai, que nos tinha transportado até à aldeia da Bouça, para vermos as corridas no percurso de Abambres. Foi emoção até ao fim, num despique frenético… Emoção, ansiedade, nervosismo, roer de unhas, palmas e palmas, para o Camaro lindo, amarelinho, que acelerava potentemente estrada fora e nós em cima de um muro, virando rapidamente a cabeça para acompanhar a velocidade ao passar, sob um sol escaldante do mês de Julho.

                Durante alguns anos, assisti na curva da salsicharia, ou curva da Areias, que remata a ponte metálica… o melhor sítio para ver e ouvir a curva e por vezes, presenciar a lata a bater nos railes, circunscrevendo alguns peões no desfazer da curva, desenhada em ângulo recto entre as casas novecentistas. Punha uma mesa grande, recheada de deliciosos petiscos de Vila Real e muita bebida… sempre abastecida durante 3 dias, apoiando os treinos e as finais, para a família e para os amigos, que iam rodando em minha casa, assistindo com visão privilegiada em plano picado, sobre os automóveis em movimento. Ter os automóveis a correr à porta de casa, gerava conflitos óbvios com as entradas e as saídas, dos que já nasceram velhos e com mau feitio.

                Numa cidade deserta de eventos como era Vila Real há uns anos atrás, as corridas eram o raio de soll que batia para cá do Marão. Não interessava apenas o espectáculo em si, anunciado, organizado num calendário, com horas marcadas e pista vedada… durante a noite, nascia uma festa dentro de outra festa. Os mais fanáticos, loucos, divertidos e palhaços, criavam a corrida dos aceleras, que tinha tanto de hilariante e divertida, como de perigosa e inconsciente. Jogava-se de gato e de rato com a polícia, numa corrida clandestina de veículos barulhentos, feitos de lata velha e sem matrícula, que arriscavam tangências, peões, engasgadelas de motor e outras peripécias improvisadas, colhendo grandes aplausos das plateias já organizadas para o efeito. Todos calçávamos sapatilhas, no caso de ter que lhes dar corda e rapidamente ir para os locais vazios da polícia, ou ter que escapar a situações complicadas. Isto passava-se depois das 22h e estendia-se até às tantas.  

                Não há gosto sem desgosto! Tenho engolido rotundas limitadas por pneus, semi-rotundas, “uma espécie” de rotunda, trânsito condicionado, vedações e rails… quando se fazem opções, ganha-se e normalmente sempre se perde alguma coisa. Eu que não me sensibilizo com as grandes questões da mecânica e muito menos de competição, desconhecendo a função e a articulação entre motores, escapes, válvulas, carburadores, turbos, mergulho nesta adrenalina das 4 rodas, nem sei bem porquê. Até me agrada o cheiro do combustível queimado e o ronrorar dos motores são música para os meus ouvidos! Venha o diabo e o Deus explicar isto, mas que se sentem numa bancada para assistir a uma final. Tragam chapéu!

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