“O relógio, da parede, do pulso, o digital do computador e do telemóvel… Não pára… com tic, tic, ou sem tic tac, o tempo acontece. Por vezes parece-nos ilógico, outras parece-nos hiperactivo, nessa ansia egocêntrica de deslocar os ponteiros sempre no mesmo sentido.
Faz-nos contar os dias e os anos, faz-nos olhar ao espelho repetidas vezes.
Pensem: porque nos olhamos ao espelho todos os dias?
Já sabemos que somos nós os reflectidos a uns centímetros de distância. Mas irreflectidamente olhamos, num gesto narcisista do olhar. Porque o fazemos todos os dias? nós insistimos… olhamos o espelho como se fosse a primeira vez, como se fossemos encontrar o George Cloony, ou o Indiana a convidar-nos para o pequeno almoço! Sabemos que nunca será assim, mas nós insistimos teimosamente. Depois tomamos consciência que afinal olhamos o espelho para ver o tempo que se concretiza em mais uma ruga, em mais um olhar ensonado e triste. Penso que o tempo nos espreita também, disfarçado de coisa nenhuma lá do outro lado do espelho, e deve achar-nos mentecaptos, por todas as manhãs e ao longo do dia, e da vida, debruçarmo-nos sobre o espelho, para ver sempre a mesma catástrofe.
Certos dias olho o espelho de viés, para não lhe dar grande confiança, e ele permanece lá impávido e sereno, fazendo-se de morto, mas eu sei que ele está atento.
Prefiro o tempo contado com a projeção do sol. Em vez de contar as rugas, centro a atenção nos erros de paralaxe, imaginando eixos que possam configurar novos horizontes e que me presenteiem com novas perspetivas da força da gravidade, que tanto amo e que tanto odeio. “
In “Ensaios de escrita, um projeto sempre adiado”. Anabela Quelhas
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