05 janeiro, 2013

Faz anos...talvez



Faz talvez ... anos

Ainda não se falava do tal de buraco de ozono, já ele fazia das suas lá na banda.
Progenitor Quelhas, usando e abusando de cautelas não se atrevia com ele, fazendo-nos a cabeça num oito, quando nós só queríamos mesmo, muito bronze.
Gozávamos as delicias do mar na ilha, mesmo junto à barracuda, agarrando o sol com a imaginação e ele ficava em casa.
Brincávamos dentro de duas brutais camaras de ar de camião nas manhãs de domingo na Corimba, fazendo o sol rir, como só ele sabe, e ele ficava na esplanada à sombra, lendo o jornal até ao limite das 11 horas.
Boiávamos nas águas paradas da baía, mais parecia mar morto, fazendo o sol bocejar e ele desconhecia que estávamos lá.
Aventurávamos nas ondas das calemas da Restinga, fazendo perigar até o sol e a ele nem lhe passava pela imaginação.
 Lhe adivinhava, com rosto fechado umas horas depois, quando o queimado do sol avermelhava sobre o nariz, dando-nos aquele ar saudável que rapidamente dourava a nossa pele tropical.
Um dia se aventurou a fazer picnic lá para as praias de Belas, debaixo de um cajueiro se não me falha a minha memória de botânica tropical, ou de um velho embonda, já nem sei.
Levou tenda!
Tenda com forma de prisma triangular, amarela e azul, que nunca ninguém usava, para não perder nenhum dos raios eficaz na pintura solar tropical.
Vestiu calções, e ficou debaixo da tenda aberta, lendo A Provincia de Angola” e destilando suor, salteando água com Cuca e Cuca com água.
Nós, fazendo trinta por uma linha na água.
Agua morna, água tépida, daquela que nada arrepia ao mergulhar.
Água que nos acaricia e nos acolhe muitas horas e nos faz soltar gargalhadas como se fossem borboletas, até ao sol se por, em tons vibrantes de laranja, mesmo ao nosso lado.
Sol da manhã, sol do meio dia, sol do entardecer,  com musicalidades diferentes das ondas que visitam a areia naquela cadencia fresca e ritmada… shuá….. shuáááá… shuá...
Ele distante e com calor dentro de uma tenda azul e amarela.
Vira pagina, vira dum lado, vira do outro, até páginas de precisa-se, aluga-se e vende-se ele leu.
Leu a necrologia.
 Leu a LoLa.
Releu as noticias importantes. Mudou para o livro que andava a ler, romance de 8cm de altura que custava a segurar na mão.
Nós, abraçando as pequenas vagas, e andando, andando quase até ao Mussúlo, sempre com pé. De quando em vez, um gritava,
- atenção à alforreca!!! Umas vezes verdade, outra só para destabilizar. De costas de bruços, guerra d’água…. Dar palmadas na agua só para  xingar.
- Não te armes  que levas, depois vem-me pedir o Patinhas que levas com ele na tromba!!!!
 - Pópilas, Xê minha, não zanga não, que faz ruga ná tésta!!!
-Te atreve, então!!! Queres mais o que? A kianda te leva no mar, e fico a rir!
Shaaaaapppp!
- Vais levar, mana atrevida, te pego e te dou um pirolito!
- Só quero ver, tens de comer muita ginguba!
Almoço de prato na mão, sentados na areia.
Alguém enterrou todas as ervilhas da salada de atum na areia fina e branca, demonstrando por A+B o agrado pelo primeiro prato. (Lena quem foi?!)
Passou o almoço, passou o lanche, nos vestimos para vir embora e mais um mergulho mesmo com o vestido encharcado a agarrar ao corpo para despedir e manter o sorriso aberto e feliz de diversos lábios. Uma ultima corrida de pega pega à volta do ultimo coqueiro.
- Me vão molhar os estofos do carro e encher de areia! Não chegou de brincadeira? Se portem bem, senão vos deixo cá!
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Um desconforto lhe chegou lentamente aos pés, até chegar à noite, já em casa. Um ardor, uma quentura com a forma de meias vermelhas desenhadas, enquanto lia o jornal com os pés de fora.

Moral da estória: O sol quando nasce é para todos. Mais vermelho menos vermelho.

In Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado, Anabela Quelhas

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