Desta vez não escrevo no verso das contas do supermercado, escrevo sobre guardanapos de papel, sentada numa mesa de um café qualquer.
……
Percorri vários sítios da cidade invicta, incógnita e sem pressa. Deambulei por esta cidade que me acolheu como sua num ventre quase materno, ao fim de uma manhã, a meio da semana. Passei por sítios carismáticos e de referência na minha vida e na vida de outros. Vivi por aqui alguns momentos marcantes da história desta cidade e participei neles. Parei nas praças e nas esquinas para lhe sentir o bater do coração, mastigar imagens recordadas e cheirar o casco urbano, como se cheiram os seres vivos, procurando as semelhanças e as diferenças que sempre se reflectem como um eco produzido no desfiladeiro que somos nós.
Não encontrei ninguém a vender cravos nas ruas, apesar do dia.
Perguntei.
- Estão muito caros!!!
Senti as pessoas tristes e conformadas com as suas rotinas realizadas àquela hora, embrulhadas por um dia “ chocho”, enublado de cinzento onde por vezes brilhava o sol.
As pessoas… umas estão sem emprego, sem dinheiro e outras possuem como esperança mórbida deixar de os ter a curto prazo. Todos terão alguém na família a sofrer de desemprego. Lê-se-lhes no rosto a sua realidade, transparentes de preocupação, sem qualquer desenho de sonhos no seu horizonte. É isso que mais me toca: rostos sem sonhos, sem projectos de futuro. Os seus olhos caminham vazios e as suas almas recolhem-se no silêncio que já dura há meses- olhares de retinas escancaradas para a escuridão desta sociedade em decadência, feita numa escala progressiva de desigualdades sociais, incapaz de definir com rigor os responsáveis por esta desgraceira nacional.
Que país desgovernado, este!
Cidadãos deste país desgovernado que entram pela porta grande da miséria, da fome e da doença!
Festejo Abril sem cravo na mão! e sem sonhos também… guardei o cravo no coração, sempre vermelho, na esperança de voltar a erguer-lo no ar empunhado pela minha mão.
Cumpriu-se a descolonização através de caminhos amargos para muitos.
Experimentaram-se algumas vertentes da democracia, através de um rumo que chegou aqui, neste beco que parece sem saída.
Ignorou-se o desenvolvimento.
O que fizemos nós com a revolução dos cravos?!!!!!
In “Não escrevo em Moleskines, escrevo no verso das contas do supermercado" - 24 de Abril de 2012
1 comentário:
Gostei, Anabela ! Partilho o desencanto de quem escreveu...se todos refletissem e AGISSEM conforme, sobretudo os governantes, Abril seria mais radioso para a esmagadora maioria dos portugueses-o povo !
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