25 junho, 2008

casa armanda passos


















































Casa Armanda Passos
Álvaro Siza

Pensada para ser vivida a todas as horas do dia, quando a luz procura a som­bra e a sombra se abre à luz, a casa atelier, encomendada pela pintora Armanda Passos ao nome mais internacional da arquitectura portuguesa, deixa transparecer, a cada apontamento, a cumplicidade que o arquitecto cria naturalmente com a obra. Esta é a segunda habitação projectada por Siza no Porto. A primeira foi concretizada nos anos 60, na avenida dos Combatentes. Entre o projecto e a obra, passando pelo processo de aprovação junto à Câmara, decorreram três anos (2002-2005). O programa incluiu a demolição da casa existente e a construção de três corpos, interligados e articulados de forma a definir dois pátios ajardinados, pontuados pelas árvores existentes. Surgem ainda um amplo jardim entre o muro limite do passeio da avenida e a frente construída. Outras árvores foram plantadas. Estabelecem, assevera-se, a ponte entre o Ocidente e o Oriente.

Em entrevista à Arquitectura & Construção, Álvaro Siza


- A Casa Armanda Passos foi feita para uma amiga... Agora é, na altura não tínhamos um conhecimento tão próximo. Depois, sim, porque a construção de uma casa é uma grande história.

Como encarou o desafio?

É uma pessoa com sensibilidade, que tem um agarramento grande à casa e criei, de forma especial, não só conforto como todo esse aspecto de ligação com o jardim, de intimidade, de qualidade de luz, etc. É muito agradável para um arquitecto ter um cliente com essa exigência de qualidade.

Qual o programa?

O programa que me foi dado compreende uma parte de residência com sala polivalente, que tem possibilidades de projecção a partir de um palco que se eleva a cota variável. A residência e a sala polivalente estão interligadas por um espaço de transição: um átrio. Depois, há o ateliê com luz do Norte.

O atelier apresenta duas inclinações no te­lhado, como nas fábricas e armazéns antigos, o que lhe dá uma luz especial...

Exactamente. É o chamado ‘cheide’. Tem uma luz alta do Norte.

Nos interiores, jogou muito com diferentes volumes…

O terreno não é grande e queria aproveitar ao máximo o jardim, para não fazer uma massa isolada. Como existiam três partes do programa muito claras na sua função, duas interligadas e uma que podia ser independente, utilizei isso para organizar os pátios. Há um pátio entre a sala polivalente e a residência para Poente; há um outro junto ao acesso automóvel; e há um espaço à frente da sala polivalente, entre esta e um muro de transição que fica entre a rua e a frente da casa. Portanto, há três espaços bem diferenciados.

A casa é ligeiramente mais baixa que as vizinhas. Esse rebaixamento foi intencional?
As casas vizinhas têm todas dois pisos. Nesta, a parte mais visível do lado da rua é só de um piso, embora seja mais alto que o normal. É intencional, porque era possível articular os três volumes e, portanto, criar pátios dos três lados. O volume com dois pisos e o volume mais elevado, por causa dos ‘cheides’, estão para trás. O facto de haver espaço livre à frente e dos dois lados permite colocar árvores e criar uma certa intimidade nas zonas exteriores do lote. Sendo as casas vizinhas de dois pisos, se esta assim o fosse, ficava com a sensação de ser estreita. Desta forma, é possível a sensação de generosidade de espaço livre interior.

Ao mesmo tempo a casa tem elementos característicos dos anos 50 – como as palas – e também apresenta um espírito oriental. Há aqui um entendimento entre Ocidente e Oriente...

Não há dúvida que na arquitectura japonesa tradicional – tão bela que é! – há esse cuidado. Existe uma articulação que organiza uns espaços bem definidos exteriores – os pátios – e permite uma comunicação muito grande. Ao mesmo tempo, íntima do interior com o exterior. Os famosos jardins Zen de Osaka são construções que se articulam e deixam os espaços geométricos, onde fazem arranjos maravilhosos de jardim. Neste caso, a maneira como o jardim está feito não tem a ver com os jardins Zen, mas há a sensação de intimi­dade. Não sendo uma casa demasiado envidraçada, beneficia de comunicação entre o interior e o exterior nas grandes aberturas que enquadram esses espaços exteriores.

As palas rebatem e criam sombra que se desenha no chão, como uma memória da arquitectura. As calhas de água marcam, também, os limites das palas no chão. As palas estão lá para a proteger do sol e do calor e criam, também, uma transição entre o interior e o exterior.A certa altura, os volumes quase se tocam de alguns ângulos...

Sim. O corpo do ateliê com a varanda que vem fora e a pala da residência quase se tocam. São três corpos bem definidos, mas pretendia-se que formassem um todo. Daí a proximidade de elementos de um corpo e de outro para estabelecer os espaços de transição e unificar o conjunto.Há pormenores quase indicadores de ele­mentos. Lembramo-nos de um recorte da varanda que funciona como uma seta a indicar uma árvore ou um pormenor do muro. Portanto, a própria arquitectura acompanha um percurso... Acompanha o tratamento do jardim. Os sítios onde estão plantadas as árvores e arbustos têm a ver com a protecção solar. Por exemplo, a janela da sala polivalente que é virada a Poente tem pala. Primeiro porque a pala protege-a de Sul, com o sol alto. Com o sol baixo, nem tanto. Têm de se usar outros sistemas, como o ‘brise-soleil’. A própria casa vizinha, quando o sol cai, protege bastante. Onde na diagonal podia entrar sol e ser incómodo no verão, foi colocada uma árvore de folha permanente. Junto ao caixilho, na grande abertura da sala polivalente para Poente, há uma árvore de folha caduca, porque assim, no inverno, o conforto da casa melhora ao receber o sol. No tempo quente, está protegida.

É uma casa para as quatro estações?

É. São coisas elementares, que a própria arquitectura espontânea utilizou sempre e a erudita também, de relação entre a natureza e o construído no sentido de convivência. No alto das escadas, a luz que entra pela clarabóia indica os degraus, como mostrando o caminho. É um gesto que se repete... Eu não gosto muito da luz violenta e as cor­tinas são necessárias, mas também gosto que a casa possa estar toda aberta, que haja trans­parências. O controlo da luz não é feito só pelas cortinas, mas pelas palas que quebram a intensidade da luz e pela própria situação e orientação das aberturas, com a finalidade do conforto térmico. Dosear a intensidade luminosa era algo que tinham as casas antigas, e sobretudo as do Sul, de tradição árabe. Pátios com luz muito intensa, pórticos que criam uma transição para o interior, depois uma luz mais quebrada e até zonas de penumbra – são necessários para o nosso conforto.

As suas casas têm essa tradição... Eu não me lembro de ter feito uma casa totalmente envidraçada. Não só por conforto e por não ter de recorrer a meios mecânicos, mas porque sinto que há necessidade de, numa casa, haver ambientes diferentes. Ambientes mais repousantes, serenos, e outros extrovertidos. Uma casa é feita com essas variações. É o simples aparente porque dentro de uma casa faz-se muita coisa.

No espaço interior do atelier, a luz que vem dos ‘cheides’ leva quase à sensação de um olhar às janelas de uma catedral, cuja luz se eleva...

A intenção não foi criar um ambiente religioso, mas, tratando-se da casa de uma pintora, tem de haver um cuidado especial com a luz, para criar condições boas de execução e até de manutenção. Ainda há pouco tempo Armanda Passos me procurou, porque, embora os ‘cheides’ estejam virados a Norte, no verão há uma hora em que entra sol. É não só incómodo como pode danificar a pintura, e aí vamos pôr estores no exterior, para nesses poucos dias poder quebrar a entrada de fogo.

As janelas do ateliê dão a sensação ilusória de se poderem puxar até abaixo. Quase abrindo o céu inteiro...

Neste caso, não acontece. As janelas vão até ao chão, mas têm folhas que abrem. Uma parte delas, as maiores, são portas de correr e nalguns casos correm por inteiro, não há nenhum travessão. É um vidro inteiro que corre para dentro da parede.

Nas janelas e portas, em geral, os planos são bem definidos. Umas abrem mais espaçadamente, outras estreitam. Como se brincasse com os volumes num jogo harmónico...

É uma brincadeira que obriga a muito esforço [risos], mas há alguma dimensão de prazer no meio desse esforço porque a possibilidade de trabalhar para alguém que pede e exige qualidade não é frequente – quer se trate de obra pública, quer se trate de obra privada.

Foi tudo direccionado para a proprietária...

Sim, ela foi extremamente exigente sob o ponto de vista de qualidade da execução – o que é muito bom. Não basta o arquitecto estar a exigir a quem constrói qualidade, mas quem paga a casa exigir qualidade tem outra força. Muitas vezes, quem paga não está interessado em tanta qualidade. Essa exigência de qualidade é considerada uma espécie de ca­pricho de arquitecto chato.

Os muros laterais que separam a casa dos vizi­nhos têm diferentes alturas para resguardar?

Sim. Os muros foram aproveitados. De um dos lados houve uma elevação e a vizinhança não levantou problemas. No outro, nem se tocou.

Quais os materiais utilizados na casa?

É tradicional no ponto de vista de materiais. As paredes e a casca são em betão armado. Da experiência que eu tenho, é muito difícil misturar materiais. Basta qualquer pequeno erro na execução para que apareçam fissuras. Todas as casas que fiz em betão armado estão impecáveis. Até a que fiz nos anos 60 é em betão aparente e nunca teve qualquer problema de fissuras, humidades, etc. Depois, tem o muro de suporte em betão armado que é duplicado no exterior com uma parede em tijolo rebocada. Entre as duas, há uma caixa-de-ar com um material de isolamento térmico. Isto dá uma parede com 45cm de espessura, incluindo o reboco interior e exterior. As vantagens são o isolamento. No exterior, para além do reboco, há um vazamento em granito para proteger da humidade do solo. Em quase toda a periferia existe uma faixa em gravilha, com dreno por baixo, exactamente para a humidade não afectar o reboco.

E em termos de madeiras?

A madeira é toda pintada, caixilharias interio­res e exteriores, excepto o pavimento, em riga antiga recuperada. Nas zonas de água, colocou-se mármore. Desenhou-se a cozinha especialmente para aquela casa, em­bora hoje esteja em produção na fábrica que a executou. Os tampos são em mármore. O resto é madeira lacada. A parte das caixilharias é em madeira? Sim. Tem por fora uma placa em alumínio que segura o vidro, também para proteger a pintura. A madeira é câmbala tratada, para receber bem a pintura.

Quais os materiais do telhado?

Terra e vegetação. É uma cobertura plana em betão impermeabilizado e, logo por cima, uma camada de 40cm de terra para poder ter o relvado.

E o telhado do ateliê? Esse é revestido a zinco.
Os ‘cheides’ dão um movimento muito grande a todo o telhado... Sim, crescem ligeiramente da frente para trás para que a concordância com a rua seja suave. A casa quase passa despercebida. Essa parte recuada retém dois pisos. O ateliê tem mais pé-direito porque a Armanda faz grandes telas e precisa mesmo de espaço, de respiro. Tudo isso se passa nas traseiras, sendo cortado com as árvores. Portanto, não é uma casa exibicionista. É mais interiorizada.
Helena Osório
FICHA TÉCNICA
Projecto de Arquitectura: Álvaro Siza
Localização: Porto
Data de projecto/conclusão: 2002-2005

3 comentários:

Pena disse...

Simpática Amiga Anabela:
A "casa armanda passos" parece-me perfeita.
Lá estás tu a brilhar na tua área.
Que pensarás que posso dizer?
Olha, Excelente!
Sei lá. Li tudo e penso que é funcional numa narrativa exaustiva de maravilhar.
A partir de agora não me meto mais na tua grandiosa expressáo de apreciação espantosa no campo da arquitectura. Está bem?
Beijinhos amigos que sabem estimar, respeitar e considerar.

pena

Pena disse...

Anabela:
Desculpa, mas quero dizer uma coisa:
Se fosse escultura ainda mandava uma marteladas na pedra com força e havia de sair alguma coisa.
Era isto.
Não pensares que sou algum inválido?
É só o que queria dizer.
Beijinhos

pena

Anónimo disse...

Boa tarde..
Adorei casa, poderia-me indicar qual o numero da revista Arquitectura & Construção onde foi publicada?

Obrigada