06 setembro, 2023

NOA NOA


 NOA NOA 

Sinto-me confusa e desassossegada.

Há muito que não entendo porque o público da nossa cidade não consegue aceder a mais espectáculos da Companhia Peripécia. Sinto falta deles, mesmo repetindo-os. Para mim é um dos melhores grupos de teatro do mundo, que temos a sorte de serem daqui.

Finalmente decidi-me a ir A LUA CHEIA em Benagouro e assistir ao espectáculo de canções de amor, antigas, de origem sefardita, que a Companhia tinha em agenda.

Resisti a Benagouro até à semana passada, porque gosto de estar confortável em momentos de lazer, e sempre percebi que as alternativas de Coêdo e Benagouro, são estruturas rudimentares para espectáculos. 

Tive o privilégio de assistir ao grupo NOA NOA em “Palavricas d’amor”. Vivi momentos musicais de excelência. Nunca ouvi aquelas canções antigas, sonoridades com mais de 400 anos… viajei no tempo, criei novas ligações com os meus antepassados e os meus olhos humedeceram. Emocionei-me.

Depois comecei a pensar e a analisar o sítio e os espectadores.

Fiz contas de cabeça, percebi que o auditório tem apenas 50 lugares, mais pequeno que o auditório da minha escola. Estavam 47 espectadores, em que alguns eram elementos da Companhia e outros eram familiares que acompanharam os Noa Noa. Imaginei por excesso, 40 pessoas que pagaram 5€ pelo bilhete, ou seja, um concerto com 200 € em caixa de bilheteira. Depois de 40 minutos de música, assim refere o programa, para mim foi bastante mais, ainda tivemos direito a conversar com os músicos apoiados pela coordenação do actor Sérgio Agostinho. Perguntei a uma amiga como sobreviviam, e ela referiu apoios e subsídios.  

Fiquei confusa e incomodada. Confusa pelas frágeis condições de trabalho, o desconforto dos espectadores, a grande qualidade de trabalho que adquiri apenas por 5€, confusa por todos os que nem souberam que tal espectáculo aconteceu… e sobretudo como se sobrevive com 200€ a produzir trabalho de investigação, execução e trabalho criativo de qualidade.

Aprendi imenso neste espectáculo, falou-se de:

- Arte das musas.com, dedicação, sensibilidade, música antiga, cancioneiro sefardita, expulsão dos judeus, Lisboa, Idanha, guitarra barroca, século XVII, instrumentos musicais antigos, construção de réplicas, madeiras, cola animal, fragilidade, guitarra barroca, tanger um alaúde, atabaques, recriação musical, música maneirista, Bélgica, Japão, Praga, África, D. João V, Domenico Scarlatti, Coimbra, Mosteiro de Sta Cruz, temperos e temperamentos, o terramoto…

Voltarei, aprendi o caminho e sacrificarei todo o meu conforto pela qualidade. Continuo confusa e desassossegada, existe certamente, uma ou várias areias nesta engrenagem, que ao longo dos anos, nunca ninguém me quis explicar. Ou a Companhia Peripécia ama a natureza, seduzidos pelo romantismo da Lua Cheia numa aldeola ao cima, à direita do Portugal profundo, apostando no intimismo, um pouco misericordioso (não sei se é bem esta palavra), gerado no teatro da aldeia, sendo uma opção artística deles e de outros espectáculos alternativos, performances fora da caixa, ou então, existe alguma problemática invisível com a cultura da nossa cidade, que não os divulga, não os promove convenientemente e não os converte em estrelas que são, facilitando, promovendo a partilha e oferecendo verdadeira cultura ao público vila-realense. Já sei que me dirão, que ainda este ano a Companhia Peripécia esteve no Teatro Municipal… e isso o que é, para quem faz um trabalho extraordinário? Sinto que isto tem algo que não bate bem, há aqui um mistério de bastidores que me ultrapassa.

Neste fim de semana a agenda cultural da Bila era pobre e vi-me à rasca para descobrir este evento. O espectáculo de Sexta, dia 1 de Setembro, a que me refiro, era digno de uma Gulbenkiam ou de uma Casa da Música e fui vê-lo a um edifício rudimentarmente adaptado, perdido em Benagouro, acedi por um caminho escuro, felizmente havia lugar para estacionar, com bar aberto para o exterior, um descampado, em que o “Foyer” tinha no máximo 12 m2, espaço de passagem  e onde se situava também a bilheteira; as instalações sanitárias, quem as utilizou saiu desconcertado devido a uma cortina, o auditório tinha apenas 3 filas com 50 lugares, onde as cadeiras uniformizadas pelo preço económico, eram muito incómodas e suportadas por uma estrutura metálica.

Há aqui um enorme contraste entre a pobreza das infra-estruturas e a qualidade artística. Será isto uma opção de vida? Será o espelho da autonomia artística? Mas as contas têm que se pagar no final do mês! Na verdade, parece-me mais, artistas excepcionais com as penas cortadas, sabe-se lá por quê.

Não acredito neste pitoresco, nesta opção de vida profissional, nesta carência visível. Não entendo, incomoda-me, desassossega-me e só sei uma coisa, quem perde, somos todos nós. Eu voltarei, porque já não tenho tempo a perder e não estou disposta a perder mais nada do que esta Companhia apresenta.

Publicado em NVR 06/09/2023

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