16 maio, 2023

VISITAR CIDADES



 Visitar cidades 

Perguntam-me o que gosto de ver nas cidades e como as visito.

Gosto de estudar cidades, daí, ver é essencial, e para isso, tenho que obrigatoriamente viajar.

Quando chego a uma cidade, localizo o Norte, um rio, o mar, ou outro elemento importante, e o Sol, para me orientar facilmente e só recorrer a mapas e GPS, quando estou muito baralhada.

Se tenho pouco tempo, apenas visito exteriores, por vezes são 12 horas seguidas a caminhar e a fotografar. Se tenho mais tempo, programo, e faço as minhas escolhas; para além daquilo que todo o turista vê, igrejas e museus, gosto de visitar teatros, mercados, bibliotecas, livrarias, termas, ferro-velhos, bairros antigos, portos e obviamente aqueles edifícios icónicos, que fazem parte da história da arquitectura e que por vezes estão classificados.

Facilmente crio em permanência uma visão aérea sobre a cidade, apelando ao meu raciocínio abstracto e tento visualizar a evolução histórica da mesma e o seu desenho urbano, evocando todo o conhecimento que possuo; requer treino e conhecer a sua planta. Sou sensível ao traçado das ruas, às suas dimensões, às isometrias urbanas que emanam da geometria e da matemática, e considero as suas causas invisíveis. Nos edifícios facilmente adivinho que compartimentos estão atrás de janelas e portas. Reparo e registo, aquilo que é único. Por vezes faço itinerários racionais, outras, absurdos. Às vezes quero perder-me propositadamente, deixar-me levar apenas pela visão, se não entender o nome das ruas, melhor, e depois regressar de táxi ao ponto de partida (Praga e Riga). Tento perceber a cidade que cada uma oculta e questiono-me se mereço entrar nesse fenómeno, que é um núcleo populacional, com uma carga histórica única e sempre transformadora.

A máquina fotográfica é um recurso óptimo de registo, porque o nosso cérebro rapidamente satura e deixa de memorizar. É raro alinhar em visitas guiadas e utilizar audiofones. Leio rapidamente algumas orientações e depois é a memória arquitectónica a funcionar, a articular conhecimento e a seleccionar, não perdendo tempo com o que considero acessório. Nas ruas, fotografo, especialmente, reflexos, para alimentar o meu projecto “Arte de iludir” e inspiro-me nestas imagens, em certos projectos pictóricos, e de poesia visual. Registo elementos urbanos pitorescos – caixas do correio, fenestrações, clarabóias, reclames, cata-ventos, relógios, tampas de esgoto – revestimentos, texturas únicas, e em todo lado, me aparece uma noiva, ou um músico que aceitam ser fotografados. Também fotografo os nomes das ruas, para melhor identificar as fotos. Por vezes utilizo a função “olho de peixe”, para posteriormente me divertir, e os 7 disparos automáticos com focagens diferentes (fotos criativas). Uso sempre uma máquina fotográfica pequena, devido ao peso e que caiba no bolso, e já tenho tanto treino, que fotografo em andamento, e em qualquer situação, estico o braço e tudo fica alinhado. No final do dia, revejo fotos e escrevo o meu diário. Antes e depois das viagens realizo os estudos daquilo que me interessa ver ou que já vi.

Quando viajo, se quem me acompanha está em sintonia, não me considero em férias, mesmo estando-o; estou a ampliar conhecimento, trocando facilmente o almoço num restaurante por uma sanduíche, para não perder horas de luz, deitando tarde e acordando cedo para rentabilizar todos os momentos. Se viajo com pessoas que não têm os mesmos interesses, tenho que fazer algumas cedências, nem sempre fáceis, apelando para o meu lado tolerante.

Agora uso também o telemóvel, para escrever referências que me irão ajudar posteriormente ou, para escrever o que sinto em certos lugares que me sensibilizam. Posso fazer um poema, ou uma frase com algo que vi ou ouvi.

Viajo algumas vezes sozinha, e por vezes recorro a agências que organizam viagens em grupo. Nesse caso, submeto-me inteiramente ao programa proposto, e aproveito o conforto da viagem, sem preocupações sobre nada. Também tem o seu lado bom, mas estou sempre de olho nas cidades ou aglomerados urbanos, fazendo as minhas conexões mentais que não são óbvias, nem visíveis.

As cidades são organismos vivos, que se desenvolvem de uma forma nem sempre científica, mas atendem a tantos parâmetros que me apaixonam, nomeadamente ser uma manifestação colectiva e profundamente ligada à sociedade. Não há duas cidades iguais, porque as populações não são iguais, os sítios também não são iguais, porém o tempo e a história podem criar uma linha de união para a sua análise e entendimento. Gosto de apreciar como as pessoas vivem a sua cidade, às vezes invejo-as, outras compadeço-me delas. Por vezes sento-me num café e tento ouvir sem atribuir significado ao que dizem, fixando a amálgama de sons daí resultante. Essa é uma memória auditiva que associo àquela cidade. Por vezes há odores que também identifico a certos espaços. O cheiro agradável de um acesso à Plaça Reial, que liga à Rambla, em Barcelona é um deles; é inconfundível o cheiro a chás e infusões. O cheiro putrefacto de alguns canais de Veneza é outro, a Rua Entreparedes no Porto, antigamente, cheirava a bolachas, e algumas ruas de Plaka em Atenas reina a menta. Só falta falar da luz e da cor. Para os fotógrafos profissionais são essenciais. Não sou esquisita, desde que não chova, tudo serve, mas sempre sem flash. Chover é que não!   

Gostar de cidades é cultivar memórias, descodificar símbolos, formular teorias, edificar novos olhares sobre o mundo, é compreender a mudança, unir virtudes a defeitos, é repovoar a nossa geografia com novas formas, novas estéticas e novos desafios. É sorrir.     

Publicado em NVR 16|05|2023

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