21 fevereiro, 2024

SINTA COMO É GRANDE O UNIVERSO


 Estávamos a tentar resolver o problema de umas canalizações cá em casa. O meu interlocutor é um homem que vai resolvendo problemas destes a quem eu vou solicitando sempre que a máquina de habitar resolve avariar sem aviso prévio. Conhecemo-nos há alguns anos e vamos conversando durante o trabalho. Por vezes rimos, de situações caricatas ou porque eu mando umas broeiradas no ramo das canalizações, propositadamente, para aligeirar trabalhos complexos e nem sempre bem cheirosos.

Ele sabe de todas as fofocas da Bila, conhece meio-mundo e uma parte do outro e acho-lhe piada, porque a conversa flui fácil e quase sempre bem-humorada, mas hoje o diálogo foi ensombrado por uma nuvem cinzenta.

- Oh sra. arquitecta, como é ter a sua idade?

- É mau e bom, todos os dias dói alguma coisa, mas desvalorizo muitas situações, penso sempre que depois da tempestade virá a bonança e rejeito tudo o que me aborrece para depois tentar ser feliz todos os dias. Seria melhor voltar a ter 20 anos e saber o que sei hoje, para não cometer erros que cometi e não gastar tempo com pessoas que o não mereciam… mesmo assim, é melhor chegar à minha idade do que ficar pelo caminho. Chama-se a isto experiência de vida.

- Tenho andado tão cismático, sou mais novo que a sra. arquitecta, mas os cinquenta anos põem-me velho e isso não me sai da cabeça.

Fiquei surpreendida, pareceu-me que o optimismo deste colaborador cedeu à depressão. Ele não estava bem. Precisava de conversar.

- Até andei na net e percebi que a maioria dos suicídios dos homens são na minha idade.

Fiquei cada vez mais preocupada e fui perguntando, se tinha algum problema de saúde, financeiro ou familiar.

- Vivo bem com a minha filha e tudo está bem com ela, mas ando com uns pensamentos sombrios.

Tentei conversar aligeirando o seu desconforto, com aquela racionalidade que nos podem recolocar no alinhamento da vida e com uma pitada de humor.

- É religioso?

- Quase nada?

- Se acredita em Deus e na vida após a morte, tem imensa sorte, porque se pode projectar em 2 vidas, e sabe que a outra lá estará à sua espera, portanto não é necessário ter pressa, quanto mais tarde melhor, vamos ganhando experiência nesta.

- E não acreditando?

- Se não acredita, então só tem esta vida para viver, e é melhor não a desperdiçar, porque depois da morte nada existe, é o vazio. A vida é feita de coisas boas e más, ignore as más, viva cada momento, como se fosse único, e tente aproveitá-lo o melhor possível. Não desperdice tempo com pessoas que não merecem, e pense que vivemos, com ou sem companhia, num sítio espectacular. Sabe-se lá se o Céu da religião tem só nuvens e nuvens, sempre de dia ou sempre de noite? Como cheirará por lá? Pelo menos aqui temos variedade de sítios e de gentes, o que é desafiador, portanto é melhor aproveitar o sol, a chuva, o frio. Se tem um desgosto de amor, aprenda a dar valor a si mesmo. Nós somos sempre a nossa melhor companhia. Todos nós temos a mania de colocar sempre os outros em primeiro lugar, mas tudo tem limites. Nós nascemos sós e morreremos sós, no intervalo da vida também devemos aprender a gostar de nós e pensarmos muitas vezes em nós, em primeiro lugar. E não é pecado, nem censurável. Se não estivermos bem connosco, não poderemos estar bem com os outros. Aprecie a vida, faça aquilo que gosta, ofereça um bom presente a si mesmo. Se tiver dinheiro, facilita. Olhe à sua volta, veja como o mundo é grande, e nós estamos aqui metidos numa cozinha a limpar um sifão, como se o mundo fosse este lava-loiças.

- A sra. arquitecta fala bem e com razão, por vezes nem sabemos porque andamos chateados.

- Falar com alguém é sempre bom. Viver é tão bonito, vou recomendar-lhe uma coisa, sempre que possa vá assistir ao maior espectáculo do mundo.

- Como assim? Onde?

- Vá assistir ao pôr-do-sol. Escolha um bom sítio virado para o Marão ou no curso do rio Douro. É diferente todos os dias, sinta como é grande o Universo e tem oportunidade de assistir a toda essa grandeza, gratuitamente. Drama, drama é estar doente, ou ir comprar covilhetes quentinhos e já não haver, ou um dia o Sol cansar-se e desaparecer pelo tubo da canalização, o resto, é o resto.

- Eheheh a sra. arquitecta tem cada uma! 
Publicado em NVR, 21|02|2024

7 comentários:

Adília Martins disse...

Considere-se um homem de sorte Sr canalizador, não é sempre que se tem um conselho da Sra arquiteta de como aproveitar a vida e sabê-la viver.

Anabela Quelhas disse...

Ahahah Adília. Ele também é uma excelente pessoa com grande sentido de humor. Mas a vida, tem altos e baixos. Beijinho

Anónimo disse...

A Sra.Arquitecta errou na profissão, devia ser psicologa e edificar vidas.

Anabela Quelhas disse...

Pat, não errei não. Para se saber criar espaços para as pessoas viverem, é preciso estudar também as pessoas.
Beijinho

Anónimo disse...

Muito bom 💖💖. Gostei especialmente dos covilhetes no meio desse discurso tão motivacional. Beijinho 😘

Anabela Quelhas disse...

Muito obrigada, anónimo. Bj

Carlos Té disse...

Excelente texto