24 dezembro, 2020

23 dezembro, 2020

ANITA E O NATAL

                Eu poderia escrever aquele conto de Natal a puxar ao sentimento e à lágrima, reforçado pela tragédia do Corona, ou mencionando os pobrezinhos e o espírito da paz, do amor e do azevinho que se revela nesta época do ano, o presépio, a manjedoura, os reis magos… seria bonito, lindo, cordato, assertivo e sobretudo sensato... porém, eu não sou sensata, nem quero ficar mais triste do que já estou desde Março.

         Todas as situações, mesmo esta, de não podermos estar com a família e amigos, podem ser analisadas pela perspectiva positiva, e é nisso que me irei centrar.   

         Nesta consoada solitária, em vez das couves e do bacalhau, irei saborear crepes sagrados e um bacalhau espiritual. Rematarei com uma nuvem do céu, encharcada conventual e orelhas de abade, sobremesas bem articuladas com esta data de referência cristã. Claro que não serei eu a cozinhar, visto que a minha roulote tem uma cozinha minúscula.

         Não terei que escolher toilette. Poderei vestir-me como quiser, e este ano poderei concretizar desejos antigos e inconfessáveis. Sentar-me-ei à mesa vestida de polícia, de enfermeira, de hospedeira de bordo, de gueixa ou de mexicana. Imaginem-me. São fetiches que não devo justificar. Tenho muito por onde escolher, sem me preocupar se vai ou não agradar.

         Não terei que observar a dentadura móvel da tia Elsie, nem tenho que estar sempre a acertar o aparelho auditivo do tio Marcel… sim, porque a dentadura da tia Elsie tem vida própria, sempre temo que ela escape, sobrevoe a mesa de Natal, que eu decoro com tanto amor e carinho, e aterre no prato das filhoses. Não terei de ouvir as gargalhadas despropositadas da sogra, nem as suas receitas de culinária especiais, copiadas da revista Tele Culinária, que comprou há mais de 40 anos, nem tenho que estar a  esconder a garrafa de uísque, para o sogro não se exceder e poder conduzir direitinho no regresso a casa. Vou-me poupar às teorias negacionistas do primo Osório, que continua a teimar que o homem nunca foi à Lua. Não terei que me abastecer com garrafas de águas das pedras, sais de fruta, carvão vegetal e kompensãns, para acudir a arrotos, azias, crises de fígado e outras coisitas mais fedorentas, tão próprias destas noites de comilança desregrada em nome do Salvador.

         O puto ranhoso que pergunta a cada cinco minutos, quando chega o Pai Natal, ficará em casa dos pais a torrar-lhes a paciência e a saltar em cima do sofá. Não terei que explicar porque não vou à Missa do Galo, nem terei que inventar desculpas esfarrapadas daquelas que me levarão certamente ao purgatório por alguns anos, do género, estou com um ataque de asma, ou estou a terminar uma gastroenterite.

         Este ano, a tia Elsie não receberá a mantinha comprada no chinês, para aquecer os joelhos com artroses e o primo Valentim não receberá as peúgas da tradição, compradas na feira dos farrapos ou nas promoções do LIDL; tem tantas, que já não cabem na sua gaveta… será uma pausa salutar para as prendas tóxicas. 

         Terei o cão e a gata como companhias, olhando para mim com olhares de cão e de gata, tal como o burro e a vaca olharam Jesus, esperando pelos seus presentes, que já estão debaixo da árvore-de-natal – um osso e um peixe. Eu olharei para o Zoom, tentando estar perto da família, fazendo conversa tonta, perguntando pelo polvo, pelo bacalhau, pelas rabanadas, enquanto me delicio com papos de anjo comprados na Tinoca de Amarante... a família responderá que o polvo ficou duro e que foi uma trabalheira fazer as rabanadas, exactamente como nos anos anteriores, mas sem eu sentir o cheiro do óleo dos fritos e da canela.

         E o resto da noite?

         Estarei ocupada a ler dezenas de mensagens natalícias, todas diferentes e todas iguais da, Sónia, Ana A., Zé, Carlos, Francisco, Celeste, Carmo, Arnaldo, Anabela, Lena, Paulo, Olga, Marta, Sofia, Jotacê, Zigoto, Amélia, Nucha, entre outros. Terei várias horas para ler os muitos artigos de opinião do jornal Notícias de Vila Real, que ainda  não li, especialmente daquela senhora que escreve sem rumo, revoltando os dias daqueles que ainda revelam paciência e tolerância para a ler. Poderei deitar-me à hora que quiser, sem estar cansada e sem hora de levantar, podendo telefonar ao amigo especial, empedernido e casmurro, que insiste sempre, em passar o Natal sozinho, deprimido e tristinho, porque sim.

         No dia de Natal vestir-me-ei de vermelho, semelhante à mãe Natal e abrirei o meu presente - uma viagem para Veneza, para ver o que ainda não vi, passear de gôndola em boa companhia e farei uma expressão de surpresa como se não soubesse que ajudei a reservar no Booking.com. Ao almoço, finalmente poderei fazer uma refeição, cuja ementa, constará apenas de sobremesas, sonho que qualquer gulosa quer concretizar. Todas aquelas doçarias a que tenho direito, levar-me-ão a cometer o pecado da gula com toda a propriedade, com a diferença, que não farei cerimónia, estarei à vontade comigo mesma. Ninguém olhará para mim com um sorriso trocista pensando,  “vais rebentar com a balança” ou, “depois diz que a roupa encolheu”,  e dizendo ”na Idade Média, os mais belos eram os mais gordos” tentanto plantar na minha cabeça, problemazinhos de consciência. Poderei comer com as mãos e de boca aberta, como o outro do bolo-rei… porque se quiser fazer figurinha de labrega, estou à vontade.

         Comerei só os pinhões e as nozes, e deixarei as passas, os figos, as ameixas e as frutas cristalizadas, que gosto menos, sem cerimónia. Não estarei preocupada se a comida chega ou não, se um gosta e o outro não gosta, criando refeições alternativas para quem não gosta de couve, para quem não gosta de bacalhau, para quem não gosta de cebola, para quem não gosta de rabanadas, para quem acha o peru muito seco ou para quem é vegetariano. Haja paciência!  Só tenho que atender egoístamente àquilo que eu gosto – oportunidade única.

         Já um pouco enjoada de tanto açúcar, dormirei uma soneca rápida como sesta revigorante e depois, recomposta desta aventura solitária, irei até à rua vestindo uma máscara, tentando encontrar ninguém que se cruzará comigo no picadeiro das obras da Avenida. Irritada, entrarei no meu carro e dirigir-me-ei até um dos miradouros mais belos do mundo, com vista para o Douro, onde me sinto próxima de Deus, para Lhe dizer umas verdades:

         - Então, Grande Arquitecto, quando terminas com esta brincadeira, pá? Pega masé na rede caça-borboletas e recolhe de uma vez por todas, este vírus maldito. A hora do recreio acabou, ok? O quê, aí onde estás também andas de máscara? O vírus não é obra de Deus? Oh! também pertences ao grupo que acredita na teoria da conspiração? Foi o diabo? Não foste Tu que criaste o diabo? Então?!... Faz o que se espera de Ti. Como? Estás arrependido? E…? Não sabes, porque perdeste o tutorial on line? Como? O diabo sacou-Te a password e trocou-Te a hiperligação? Estudásses!

         A Anita deseja um Feliz Natal a todos, especialmente à D. Fernanda, mãe de uma amiga “espsial” que me abasteceu de toda a doçaria e à Yumi Sayuri que me cedeu um fato de gueixa – protejam-se e sejam felizes.

Publicado em NVR - 23/12/2020

 

NATAL 20


 A todos os meus amigos, compinchas, camaradas, companheiros, cúmplices, leitores, colegas, que partilham comigo de alguma forma momentos da vida, desejo uns dias de recolhimento criativos, bem humorados, com saúde e alegria, dentro do espírito natalício.

Para aqueles que estão a mal com a vida, não me podem ver nem pintada, que acham que tenho a mania, que não sabem interpretar a minha ironia e me desejam todo o mal do mundo, desejo melhor disposição, aconselho um Kompensam e peçam ao Pai Natal que vos presenteiem com melhor feitio.











22 dezembro, 2020

O solstício de Inverno


 O solstício de Inverno (no Hemisfério Norte) é a noite mais longa do ano, o momento em que os dias começam de novo a crescer, uma vitória simbólica do Sol contra a escuridão. Acontece entre 21 e 22 de Dezembro.

Quando a gelo e a escuridão pareciam não ter fim, os antigos pagãos, nossos ascendentes, recusavam-se a acreditar na morte do Sol. Em vez disso, juntavam-se para celebrar a luz e a natureza adormecida. Na noite mais longa do ano, quando a escuridão parecia não ter fim, homenageava-se a natureza e faziam-se oferendas aos deuses, pedindo para que o Inverno passasse depressa. Os seus abrigos eram decorados com ramos verdes, e faziam-se grandes fogueiras para afugentar a escuridão, à volta das quais era reunida a família, amigos e vizinhos. O fogo era sempre o elemento central, símbolo da luz e da própria vida.
Como não há festa sem comida, a ceia desta noite era melhorada com aquilo que a natureza dava. Bolinhos de abóbora, castanhas, maçâs, nozes, passas, pinhões, figos secos e… carne de javali ou veado.
Blessed Be (saudação pagã que significa sejam abençoados)

19 dezembro, 2020

Polvo tradição


Em Trás-os- Montes, durante o Natal, o polvo disputa com o bacalahau, o principal lugar na mesa.

            «Há duas explicações para este microfenómeno natalício: a nobreza do alimento e a proximidade à fronteira», diz Albertino Gonçalves, professor de Sociologia na Universidade do Minho e especialista em cultura luso-galaica. «O polvo é um produto de alta qualidade e sempre esteve reservado para ocasiões especiais.»

            A tradição do polvo deve-se à nossa proximidade à Galiza, até porque os galegos consideram o rio  Douro é a sua fronteira a Sul.

             final dos anos trinta, depois da Guerra Civil Espanhola, o Estado Novo (regime de Salazar) quis ordenar o abastecimento alimentar do país para travar a fome. O polvo não entrava no menu do regime.

            «Salazar definiu zonas e produtos: cereais no Alentejo, sardinha nos portos pesqueiros, hortícolas e frutícolas no Oeste. E investiu seriamente na frota bacalhoeira, capaz de trazer das águas frias do Norte um ingrediente barato e altamente duradouro», «Nessas contas, o polvo, que vinha essencialmente de Espanha, não tinha lugar.»

            O bacalhau traduz assim o resultado de uma vontade politica, que não é acatada pelas populações fronteiriças, contrariando o menu do fascismo e praticando o contrabando do polvo, muito controlado pela PIDE.

            A proximidade da Galiza, principal centro mundial da pesca de polvo, fazia com que que ele estivesse presente no território nacional, há séculos e entrásse na dieta das gentes da fronteira,  muito antes do bacalhau, assim como em Trás--os-Montes integrando a identidade dos transmontanos.

            O polvo chegava seco em barricas e pendurava-se atrás da porta. Dois dias antes do Natal juntava-se o mulherio nas fontes e mergulhavam-no na água. Depois, era agarrá-lo pela cabeça e batê-lo numa pedra, pelo menos cinquenta vezes, para quebrar os seus filamentos fibrosos que endurecem ao cozer. A congelação permitiu quebrar os tendões do polvo sem esforço, mas antigamente era preciso fazê-lo à força dos braços das mulheres. As mulheres mais idosos de Justes certamente confirmarão.

            Era na mesa de Natal que o polvo se tornava povo. Naqueles tentáculos estava a sua identidade e a sua resistência.


16 dezembro, 2020

COMPRAR NO COMÉRCIO LOCAL

 

COMPRAR NO COMÉRCIO LOCAL

              Vila Real tem um problema sem solução à vista.

              Em menos de duas décadas, a nossa comunidade sofreu grandes alterações no que se refere ao comércio. Passámos do comércio local, ao comércio das grandes superfícies e agora, especialmente em tempo de pandemia, ao e-commerce, designação do comércio realizado através da internet.

              A comunidade não soube adaptar-se a esta evolução rápida. Como contrariar a força de um grande supermercado, ou de um centro comercial? É fácil criticar, mas todos utilizam o shopping, que une  a superfície das lojas, com o supermercado, porque tem estacionamento, ambiente aquecido e protegido das intempéries, mostra as novidades das grandes marcas internacionais, tem instalações sanitárias para quem precisar e ainda, uma praça alimentar e várias salas de cinema. Reparem, antes de termos o Nosso Shopping, muitos de nós, íamos fazer compras aos centros comerciais na região do Porto.

              Esta história começa muito antes… Antes do shopping já os comerciantes se queixavam pela oferta do mercado municipal, que duas vezes por semana, recebia alguns elementos da comunidade cigana, com ofertas de pronto-a-vestir fabulosas. Os utentes passaram a ter a alternativa do mercado dos farrapos, com produtos muito baratos, comprados em grande quantidades, junto às fábricas de têxteis do Vale do Ave. Os preços dos “farrapos” conseguiram esvaziar as lojas de Vila Real. Todo o processo começa aqui e passou a ser irreversível. Depois vieram, o shopping e as lojas dos chineses; em relação a estas últimas, ainda ninguém percebeu muito bem, as razões do seu sucesso e proliferação. Os nossos comerciantes não conseguem competir com eles, porquê? Porque não se abastecem nos mesmos locais? A passividade da personalidade dos nossos comerciantes não se coordena com os novos tempos de competição desenfreada. A estrutura comercial reflecte sempre as características culturais da sociedade num determinado tempo.

              O esvaziamento dos centros históricos é um fenómeno transversal a muitas cidades, acentuado pelo envelhecimento dos imóveis e da população residente e pela força centrífuga acentuada, originando o movimento para fora da cidade. Favorecer o trânsito de peões, aumentar espaço de permanência e de contacto, e afastar os automóveis para descongestionar as ruas e vielas, constitui uma das soluções aplicadas, que em muitos casos, deixou de ser solução e passou a fazer parte do problema, contribuindo ainda mais para o esvaziamento.  Não se vislumbra vitalidade e apenas declínio.

              Continuo convencida que a retirada da circulação automóvel e respectivos lugares para estacionamento, sem grandes estruturas para recolher automóveis, aqui em Vila Real, não funciona e esvazia ainda mais o centro da cidade, constituindo a estocada final da frágil estrutura  comercial.

              Tentei fazer as compras de Natal no comércio local. Encontrei, os únicos lugares de estacionamento gratuíto, quase junto ao ALDI. Demorei quinze minutos para chegar à avenida, andando a pé, já imaginando como seria o regresso carregada de compras. Andei por aí às voltas, cheia de frio, determinada que encontraria alguma coisa de interessante para comprar. Cruzei-me com poucas pessoas na rua. Uma grande parte das lojas estavam encerradas e vazias, pondo a nú o fracasso financeiro deste últimos meses. Sobrevivem ainda algumas, cheias de monos invendáveis - casacos e vestidos de há 15 anos – completamente obsoletas, de espaço exíguo. Encontrei três lojas de vestidos de noiva com montra bem arranjada, evidenciando uma melhor oferta, mas não me interessaram. O rosto de alguns comerciantes espelhavam o seu desânimo, olhando-me a espreitar, procurando algo que me interessasse comprar. Fico sempre na dúvida, se preferem que eu entre, ou se preferem  que não os incomode.  

              Fui comer um covilhete, para ganhar coragem e pedi para embrulharem seis. Tentei comprar o jornal, para a leitura das notícias acompanharem a degustação do covilhete – sem sucesso. Entrei em quatro lojas de pronto a vestir, não encontrei nada de especial e nem tinham o meu número, imaginando que todas as duas clientes vestem o 36. Entrei numa ourivesaria, interessada num alfinete usado, que estava na montra, algo que no Porto custa 30 ou 40 euros, pediram-me 67 euros.  Numa loja de artigos desportivos, perguntei por um modelo da botas sketcher, informaram-me que era melhor comprar pela internet. Insisiti para me fazerem a encomenda através da loja, não aceitaram. Comprei um livro na Traga-Mundos, e uma peça de vidro para pintar, adivinhem onde. Num chinês.

              No andamento fui vendo os presépios, alguns muito interessantes. Entretanto, começou a chover e eu tive que regressar - mais quinze minutos a pé até ao carro.

              Cheguei ao carro com a caixa dos covilhetes e as minhas botas, ensopadas em chuva. Entrei para o carro e interroguei-me, valeu a pena?

              Soluções: não tenho. Esta problemática não se ultrapassa, com animação cultural, faixas pedonais, requalificação do património, acusações dirigidas ao poder local… continuamos com o centro vazio. Talvez tenhamos que aceitar esta involução até aparecer uma estrutura empresarial com muito dinheiro, alimentada por um grande e inovador projecto de investimento num novo urbanismo comercial, apostando num marketing publicitário capaz de alterar este paradigma, mediando a transição entre o século XIX e o século XXI, sem se preocupar muito com o retorno financeiro.   

Publicado em NVR em 16/12/2020

O SILÊNCIO DO KISANJI





 2º livro de uma trilogia que aborda a cidade de Luanda na fase final do colonialismo. Uma análise dos musseques, da vida cosmopolita, dos cinemas, da arquitectura e de lugares comuns vividos por uma adolescente com perspectiva crítica. Aqui estão as referências locais e as referências globais dos anos 60 e 70.

Envio à cobrança ou pagamento MBway.

09 dezembro, 2020

EDUARDO LOURENÇO

 


Eduardo Lourenço

“Eduardo Lourenço (1923- 2020), professor, filósofo é considerado um dos melhores pensadores sobre Portugal. Estudou na Universidade de Coimbra e estagiou na Universidade de Bordéus. Vive muitos anos em França e desde 1999 ocupa o cargo de administrador (não executivo) da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Recebe diversos prémios e condecorações, incluindo o Prémio Camões em 1996. De 2016 a 2020 é Conselheiro de Estado, por nomeação presidencial.”

            Nas minhas navegações pela internet, descobri que nas redes sociais não existia nenhum grupo dedicado a Eduardo Lourenço. Vários escritores e pensadores, possuem grupos de seguidores que partilham leituras e curiosidades, que frequento, me agradam e ampliam conhecimento.

            Fui às livrarias procurar os seus ensaios, apenas encontrei “O labirinto da saudade” já na sua 15ª edição (Gradiva) e mais nada.

            Em Agosto de 2020, decidi aproveitar as novas tecnologias e criar um grupo público aberto à comunidade, “EDUARDO LOURENÇO,  um pensador”, onde permito a entrada de todos os que apreciam a sua obra. Até ao dia anterior à sua morte, este grupo reuniu 170 membros – número reduzido em relação à grandeza do seu pensamento. 3 dias após a morte o número de membros quase duplicou e, certamente, cada vez seremos mais.

            Confesso que não o conheço desde sempre. A sua célebre frase sobre viagens  "Mais importante que o destino é a viagem", foi o meu despertar para o pensamento deste ensaísta. Já muitos utilizaram esta frase para abrir conferências e encontros, porque esta simples frase é de uma grandeza filosófica que nos leva a muitos caminhos, a muitos destinos e a muitos pensamentos.  É uma frase generosa que se comporta como um novelo, que se vai desenrolando, desfiando e produzindo muitos cenários e muitas reflexões. A nossa aprendizagem faz-se em processo de contacto com os outros, em andamento crescente, e não no final da jornada. É na viagem que descobrimos, que questionamos, que desistimos de atalhos ou investimos neles, que filtramos o que nos interessa, fazendo escolhas. Gerimos frustrações, alegrias, crescemos interiormente, relacionámo-nos connosco e com os outros. É no caminho que construimos a nossa identidade, falhando, claudicando e aperfeiçoando-a, numa dinâmica crescente e dialéctica, porque o tempo serve para separar etapas e para nos mostrar sempre a diferença.

            O destino é algo estático, a viagem é esta dinâmica descrita. É na viagem que se dá a educação  transformadora e o enriquecimento pessoal, através da assimilação de tudo o que a viagem nos oferece e do que nós procuramos. É na viagem que promovemos sensações e emoções, são os afectos que nos guiam e é a criatividade que se manifesta...  ê a viagem que nos liga ao passado e nos antecipa o futuro.

            Há outra frase que considero pertinente mencionar.

“Hoje podemos estar uma vida inteira a ver cinema, televisão ou um ecrã e morrer sem ter entrado na vida”.

            Este é o paradigma das gerações jovens, absolutamente obcecados e mergulhados nas novas tecnologias, esquecendo-se de viver. Partindo daqui poderemos reflectir sobre o supérfluo e o essencial. A essência da vida vai muito além da nossa sobrevivência, a que nem todos acedem, por falta de tempo, de sensibilidade, de altruísmo e por ignorância.  Passar pela vida, sem lhe prestar atenção e recolher dela as lições intemporais relacionadas com os valores humanistas, é viver ficando à porta.

            Registo aqui a minha homenagem a Eduardo Lourenço, retomando sempre a sua obra para reflexão.

Publicado em NVR 9/12/2020

02 dezembro, 2020

NÃO BEBA DESSA ÁGUA

 

NÃO BEBA DESSA ÁGUA

Realizador: Woody Allen

1994

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CONTRIBUTO PARA A DESCONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO.




 

            A sociedade é bombardeada diáriamente com falsa informação, com objectivos obscuros de influênciar opiniões/decisões, moldar o espírito crítico, motivar revolta, utilizando canais de divulgação rápidos que fazem perder a sua origem. Normalmente são utilizados argumentos demagógicos e que se dirigem às inseguranças, crenças e ambições de cada um, plantando de imediato o sentido de confiança. Dirigem-se também a quem não investiga profundamente e especialmente a quem possui reduzido espírito científico.

            Felizmente as novas tecnologias tanto divulgam a má como a boa informação. Existem diversos sites que nos ajudam a desconstruir a informação, a desvendar a sua veracidade e algumas vezes de forma divertida. Partilho convosco. Entrem aqui:

https://verdadeoumentira.dge.mec.pt/

            Este sítio pertence à Direcção Geral da Educação, de fácil acesso, e permite verificar a veracidade de imagens e informações/notícias falsas. Todo o processo toma a forma de um questionário que procura a sua resposta (verdade ou mentira) e depois de a avaliar, emite a verdadeira informação ou o esclarecimento sobre a afirmação verdadeira. De uma forma lúdica, o navegador oscila entre a verdade e a mentira, adiciona conhecimento e sobretudo amplia o espírito crítico sobre as situações.

            “Confie, desconfiando”, neste caso desconfiar é uma atitude sensata, salutar e inteligente. Com a problemática COVID, as notícias falsas propagam-se. Desconfiem daqueles que “acham” e criticam e não apontam soluções, desenvolvendo narrativas baseadas num médico americano que ninguém conhece, em estudos realizados na Suíça que carecem de autenticação por parte da Ordem dos Médicos ou do Ministério da Saúde  e que no final resultam em crítica política disfarçada. O “achista” faz avaliações e afirmações fáceis sobre temas que os cientistas levam anos e anos a pesquisar, baseadas apenas nas suas opinões tantas vezes levianas e incoerentes. Replicar o “achismo” é perigoso e ofensivo, porque  nos passa um atestado de irracionalidade, gera ondas cada vez maiores, que afogam as pessoas em ignorância e mentira. Lembrem-se que uma mentira repetida muitas vezes passa a ser verdade. A verdade inquieta e a mentira conforta, é urgente saber  qual é o nosso lado. Para que uma noticia falsa vingue, é necessário que agrade ao receptor, que oiça aquilo que quer ouvir, que leia aquilo que quer ler. Conclusão “não há pior cego do que aquele que não quer ver”.

Publicado em NVR 2/12/20

01 dezembro, 2020

O JARDIM DOS FINZI-CONTINIS


 O JARDIM DOS FINZI CONTINIS

Realizador: Vittorio de Sica

1970

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EDUARDO LOURENÇO

 

GRUPO EDUARDO LOURENÇO, um pensador

A diferença entre morte e morrer, segundo o Eduardo Lourenço:.
"Não tenho medo da morte
Mas sim medo de morrer
Qual seria a diferença
Você há de perguntar
É que a morte já é depois
Que eu deixar de respirar
Morrer ainda é aqui
Na vida, no sol, no ar
Ainda pode haver dor
Ou vontade de mijar
A morte já é depois
Já não haverá ninguém
Como eu aqui agora
Pensando sobre o além
Já não haverá o além
O além já será então
Não terei pé nem cabeça
Nem fígado, nem pulmão
Como poderei ter medo
Se não terei coração?