20 fevereiro, 2019

Amor é para amar, cuidar e proteger




Amor é para amar, cuidar e proteger
            Nunca é demais falar, repetir uma vez, dezenas de vezes sobre as mulheres que são vítimas de violência doméstica. Está tudo dito, mas continuamos a envergonhar o ser humano.
             A minha geração tinha a ilusão que a emancipação da mulher, mais década menos década, a violência entre casais se extinguiria, que os nossos parceiros masculinos da geração make love not war teriam dado um passo em frente na evolução da espécie e seriam nossos aliados  contra esta faceta deplorável da sociedade e das relações humanas. Imaginámos que na geração dos nossos filhos já todo o mundo teria esquecido os olhos roxos, os dentes partidos e as nódoas negras no leito conjugal.
            Nada disto bateu certo.
            Estamos em 2019 e tudo continua semelhante, a única diferença é que tudo já começa no namoro e estando ou não casado, a violência persiste, os hematomas afloram no corpo feminino e em qualquer classe social.
            A nossa sociedade ainda não arranjou uma estratégia para proteger mulheres e filhos, mas o lado masculino já aprendeu até a bater sem deixar marcas para não haver evidências perante a polícia.
            Imagino o terror que a mulher sente ao denunciar e ainda o gozo a que é sujeita nas esquadras de polícia, submersa em questionários intermináveis, tendo que expor o que quer, e o que não quer, numa situação de grande fragilidade, para depois voltar para casa correndo o risco do companheiro estar à sua espera na saída da esquadra com dois bofetões dentro das mãos e vários outros de reserva. 
            Considero que tudo isto deveria funcionar ao contrário, em vez da vítima disfarçar, se controlar, se proteger e até se esconder, deveria ser o  agressor, o alvo da alteração da sua rotina: ser detido ou vigiado!
            Na dúvida prefiro apostar no antes preventivo do que a certeza de um depois dramático e fatalmente irreversível.
            Há mentalidades obtusas que teimam em não mudar — de homens e de mulheres. Há uma culpa em duplicado. As mulheres toleram e os homens abusam recorrendo à sua superioridade em tamanho e força física e à sua brutalidade boçal. Há mulheres idiotas que associam a violência e o ciúme, ao amor que os companheiros sentem por elas, como se houvesse qualquer possibilidade de haver uma ligação saudável entre estas palavras.
            — Meninas acordem, por amor não se faz tudo. Por amor nunca se faz aquilo que vos magoa. Quem vos trata a berrar, quem controla muito, quem proíbe, quem vos tira aos poucos os vossos direitos e a vossa liberdade, quem vos agride e pede desculpa a seguir, será o vosso futuro carrasco. Ninguém é dono de ninguém. Nada justifica a violência.
            Amor é para amar, cuidar e proteger.

Publicado em NVR 20/02/2019

06 fevereiro, 2019

Esta semana fui ao teatro


Esta semana fui ao teatro.


         Esta semana fui ao teatro.
         Já há muito que não assistia a uma peça de teatro tradicional, com diálogos audíveis de uma história clara para partilhar, numa narrativa que chega ao público, e é interpretada por este, de forma rigorosa, sem subterfúgios e sem lugares “incomuns” completamente subjectivos e intergalácticos.       
         Até o cenário, apesar de ter um toque contemporâneo, representa exactamente aquilo que vemos: uma sala de estar de uma casa qualquer.
         Já me saturam peças que estão muito na moda, em que a criatividade, numa tentativa de afirmação, se excede atingindo o ininteligível. Enigma, mistério, interpretação, drama, comédia, ironia e beleza, devem atingir o público de forma inteligente capaz de despertar emoções. Quando o público é incapaz de entender o que se passa no palco, questionando-se se o problema será dele, isso não é um bom espectáculo de teatro. Por vezes, os espectadores não entendem o que veem, mas envergonham-se de o dizer, sentindo-se estúpidos e imbecis, e então elogiam, não querendo parecer desenquadrados - um elogio curto… um falso elogio, que se desmoronaria se fossem obrigados a justificar-se.
         As novas correntes da contemporaneidade são férteis em ocultar a incompetência de actores, encenadores… e não só, outros agentes culturais, pintores, poetas, arquitectos, cineastas, músicos, etc, etc.
         A vida foi-me dando oportunidade de assistir a peças (umas boas outras más) interpretadas por grandes actores, alguns já desaparecidos — Eunice Munoz, Rui de Carvalho, Paulo Renato, Rui Mendes, Laura Soveral, Maria do Céu Guerra, Vera Mónica, Camilo de Oliveira, Laura Alves, Joaquim Rosa, Victor de Sousa, Delfina Cruz — que me permite não me deslumbrar com um palco iluminado. Quando não gosto ou não percebo, sou honesta e emito opinião.
         Detesto que passem para o espectador a sensação de imbecilidade, por manifesta incompetência, de quem escolheu o texto, do encenador ou até do actor, em transportar emocionalmente o público para o que se passa no palco.      Aquilo que se estranha, nem sempre se entranha. Por vezes aquilo que se estranha é mesmo mau, e não temos que ter complexos em o reconhecer e afirmar. A falsa intelectualidade aliada a um certo surrealismo abstracto, imbuído numa estética futurista é muito competente em me provocar o vómito ou o abandono da sala a meio da cena.
         Já tinha saudades de uma peça assim, de conteúdo real, num cenário real, com bons actores e cuja encenação é contagiante e transposta o espectador para interpretações reais e outras suposições, que cada um poderá construir a seu gosto, e consoante a sua personalidade.
         Grata, Diogo Infante — encenador e actor em “O Deus da carnificina”.
— “Alô Maurício!” J


AQ
Publicado em NVR