31 março, 2020

Um pesadelo... afinal não


UM PESADELO… AFINAL NÃO
            Escrevi o último artigo a 7 de Março e foi publicado 4 dias depois. Escrevi sobre o Corona Virus, mas estava longe de imaginar o drama em que se converteu, apesar de informada.
            Ainda fui festejar o Dia da Mulher num restaurante lotado de mulheres que riram alegremente toda a noite. Saí sem precauções, nem me passou pela cabeça não ir ao jantar para evitar contágios. Não imaginava que hoje, quase 20 dias depois, estaria em casa em isolamento há 17 dias, com saídas muito condicionadas, a ver televisão de manhã à noite, preocupada com o rumo que isto tomou e sem fim à vista.  
            No dia 9 de Março as faculdades de medicina encerraram por recomendação do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas – este foi o verdadeiro alerta para alguns portugueses, apesar dos “achistas” e dos “tudólogos” que iniciavam a sua epidemia da desinformação.
            No dia 12 a UTAD fechou.
            A partir desse dia recolhi-me em casa, preocupada com os infinitos contactos que uma escola ocasiona diariamente.
            Nestes vinte dias vivemos situações que só tínhamos visto no cinema de ficção e julgávamos de vivência improvável:
Escolas encerram | Tele trabalho improvisado a arranca em força |Corrida aos desinfectantes e à comida nos supermercados |A epidemia em Itália assusta |A “morrinha” começa na zona norte |  Morre Gregotti | Faço um cálculo grosseiro sobre a razão de casos de cada dia e tomo a noção dos números futuros que se vão cumprindo nos dias seguintes |A descordenação inicial confronta-se com as criticas daqueles que pensam que tudo é muito simples de organizar | Assunto domina todos os canais da televisão |Esgota-se o papel higiénico, álcool nem vê-lo, luvas às vezes e o desinfectante tenho um frasco que sobrou da gripe A | Todos tomam vitamina C | Um presidente da republica bem-intencionado mas um pouco valentão acaba em quarentena | Tenta-se uma corrida contra- relógio para evitar o pico da gripe | O primeiro ministro mostra empenho e competência para tentar organizar esta guerra invisível | Os militares de prevenção montam  tendas de campanha | Os prevaricadores ignorantes apanham sol na praia de Carcavelos e na Póvoa de Varzim |O crescimento é exponencial dos casos infectados confirmando as previsões |O pesadelo vive-se no norte da Itália e em Espanha mesmo aqui ao lado | Contam-se munições – 56 comprimentos benurons e os bruffens para duas semanas de tratamento e ventiladores, máscaras luvas, fatos, viseiras e faltam, faltam  | Os lares de idosos são infectados e os casos são logo às dezenas | As urnas em Madrid alinham-se no Palácio do Gelo | É declarado formalmente o Estado de Emergência  !  A cidade de Ovar está isolada e seguem-se outras cidades |A guerra do inimigo invisível…
MEDO
As contradições dos neoliberais manifestam-se| Trump, Bolsonaro e Boris armam-se em valentões defendendo a teoria do resfriadozinho | Falta equipamento de proteção | Os que foram de férias já com a pandemia a alastrar, não conseguem regressar e reclamam | Um ministro diz que o governo não é uma agência de viagens | Os concertos #ficoemcasa animam a malta | Os emigrantes voltam para Portugal e alguns fogem da quarentena | As fronteiras são cortadas | As fakes news reproduzem-se | A teoria da conspiração impera |Os médicos cubanos vão ajudar a França | Faltam ventiladores nos hospitais |As despensas enchem-se de enlatados | A onda de solidariedade inicia-se — industriais tentam produzir equipamento | Os professores cooperantes em Timor têm a sua segurança em risco | Falo por vídeo com a família e amigos que já não vejo há 20 dias | A ilusão que os hospitais privados vão receber infectados a custo zero | O príncipe Carlos infectado e Alberto do Mónaco também | Sua majestade exibe mascaras da cor dos seus vestidos exuberantes | Boxers são transformadas em máscaras e toucas (o engenho) | O humor negro circula na net | Anunciam-se despedimentos e desemprego |Os economistas desenham os piores cenários | Rui Rio abandona a Assembleia para dar o exemplo (gostei) | Daniel Sampaio explica na televisão, o pânico e o medo | Os Jogos Olímpicos são adiados | Alerta Laranja para Lisboa, Porto e Aveiro |Boris está infectado |O 2º período termina e os pais reclamam contra o excesso de tarefas que chegam a casa | Afinal não é um vírus, é uma proteína | A Espanha compra testes defeituosos | Avião chega da China sem ventiladores, com 24 de 35 toneladas previstas, de fatos, máscaras e luvas  | Os médicos estão apreensivos, daqui a dias terão que escolher quem vão salvar |O Conselho Europeu e a intervenção do ministro das finanças da Holanda ficam para a História desta Europa cheia de contradições | Costa reage  indignado e bem | Francisco reza sozinho na praça de S. Pedro, vazia. | Máscaras de mergulho são transformadas em ventiladores – a improvisação dos portugueses / O pico, felizmente, transforma-se em planalto, para Maio.
            Espanha totaliza 5690 mortos, com 7871 novos casos | Portugal totaliza 5170 infectados e 100 mortos  | Itália 40 mortos por hora e perde-se contabilidade rigorosa (28 de Março)-
            Quando tenho que sair de casa, é um pesadelo – por o gorro, vestir um fato de treino, arranjar uma estratégia de contacto mínimo com supostos infectados, colocar as luvas e máscaras e saber como e quando retirá-las. As informações por vezes contradizem-se. Esta é uma guerra, sem tiros e sem bombas, mas com o número de mortos a crescer. É uma guerra de ficar em casa. Os hiperativos queixam-se, como se estar em casa fosse algo terrível…. Nunca ouviram a metralha noite e dia! distraem-se com cantorias à janela e aventuras no sofá.
             Todas as manhãs acordo convencida que tive um pesadelo… afinal não. Em menos de 20 dias o país quase parou… até quando?
Anabela Quelhas

25 março, 2020

A LIÇÃO DO CORONA VIRUS





LIÇÃO CORONA VIRUS
         O Homem é um ser frágil, mas a sua auto-estima elevada, leva-o a convencer-se de que a sua determinação e tecnologia, o converte em ser superior e invencível.
         A evolução do Homem é crescente; começou lá longe em África, há quase dois milhões de anos, quando se levantou e se despediu da sua grande família de macacos, para ir descobrir o mundo, deslocando-se para a Ásia e Europa. Até hoje, nesta grande caminhada, o Homem criou sociedades com divisão de trabalho, inventou a vida sedentária, foi dominando a agricultura e depois a indústria, através de guerras e revoluções, até que mergulhou no mundo digital, abolindo fronteiras, potencializando a circulação rápida de pessoas e informação, viagens interplanetárias e favorecendo a inteligência artificial.
         Hoje, nós humanos, estamos inseridos no mundo global e maioritariamente neoliberal, coroado com o sucesso profissional, onde competimos desenfreadamente uns com os outros e eliminamos quem não interessa. Os escravos foram substituídos por pessoas reduzidas a produtos, consumíveis e descartáveis, convencendo-se que são livres. O furor do capitalismo está ao rubro disfarçado de democracia com ausência de limites ao exercício do poder, esquecendo-se da teoria do equilíbrio geral que motivou o liberalismo inicial. Vivemos num mundo abstracto e global, com uma bolsa mundial a comandar a economia, mas que nem sabemos o que é, não sabemos quem manda, não sabemos da veracidade da informação que circula rápida, temos dificuldade em aceitar a diferença e excluímos constantemente os verdadeiros valores da cidadania, porque não têm valor de uso ou comercial. Muitos desenvolveram patologias alérgicas a tudo que cheire a socialismo, respeito pelo outro, solidariedade, assinando em baixo desta constante e progressiva desumanização do planeta. Para esses, tudo se resolve com a iniciativa privada, desvalorizando o Estado Social, porque este só dá despesas e impostos.
         Até que chega um tsunami — e parecemos umas formiguinhas arrastadas pela água, com edifícios à mistura que parecem palafitas naifes.
         Até que há uma vaga de incêndios incontrolável — e morremos queimados ou sufocados num piscar de olhos.
         Até que um bichinho do mundo, incomensuravelmente pequeno, resolve desabrochar na China e desafia a soberba do poder dos países — não se vê e é incontrolável num duelo desigual.
         E agora? A quem vamos recorrer na situação de catástrofe? À bem-sucedida empresa do mobiliário de Famalicão? Aos proprietários dos maiores navios do mundo? Ao hospital privado que tem umas óptimas instalações?
         Catarina Martins diz que o novo vírus é uma prova de que Portugal precisa de um Serviço Nacional de Saúde público e forte. E ela tem razão. Isto é um alerta. Nos momentos de crise, todos se viram para o Estado procurando por socorro. Chega o momento para reflectir sobre a sociedade e todas estas questões, que se prendem não só com a sobrevivência deste Homem egoísta e obcecado, mas também com o bem-estar social, a qualidade e a dignidade da vida das pessoas.
Revoltando os dias - publicado no NVR em  11/03/2020