23 outubro, 2019

ELA NÃO OS PERDOA


ELA NÃO OS PERDOA
            Aqui está a minha reflexão um pouco poluente para alguns.
            É necessário manter um pouco de lucidez e discernimento sobre a agitação social provocada nos últimos meses, a favor do ambiente, as manifestações dos nossos jovens, a visibilidade da Greta, as opiniões dos radicais, os anti-amianto, os “incêndios das sextas-feiras” iniciados nas escadas do Congresso dos Estados Unidos na semana passada… ah! o buraco do ozono certificando que estas questões não brotaram agora de mentes visionárias, mas que fazem parte das preocupações das últimas gerações. E mais, já me esquecia dos activistas Green Peace. Isso começou há quantos anos?  quarenta e oito?
            Os jovens a manifestarem-se é bom, como é bom sair da caverna e do marasmo informático diário, onde vivem como nativos digitais. É urgente e necessário que despertem outras sensibilidades em relação às quais a Escola alerta e trabalha há muitos anos. Conheço pelo menos há 4 décadas, o assunto e a aprendizagem dos 3 érres.
            A lucidez é importante para que se desconstrua tudo o que está a acontecer de repente e em catadupa, a Greta na ONU, as manifestações dos jovens contra as alterações climáticas, e as vagas de fundo invisíveis, mas que conspiram, uns a favor, outros contra a preservação do planeta Terra, levando muitos de nós a reagir um pouco primariamente por falta de informação.
            Por vezes a lucidez fica encurralada pelo politicamente incorrecto. Quem ousa questionar os acontecimentos das últimas semanas, corre o risco de ser considerado um asco de ser humano, um nojo de cidadão, tal qual uma garrafa de plástico abandonada no oceano, ou uma bosta de vaca a libertar metano. Por vezes é difícil saber quem tem razão ou então perceber que há muitas razões, assim como há muitos interesses económicos a minar estas manifestações genuínas dos jovens.
            E já vos digo, preocupam-me, e muito, com as questões ambientais, mas não acredito em mudanças rápidas de mentalidades e de posturas.
            A imagem anexa mostra o que aconteceu após as manifestações contra as alterações climáticas em Lisboa, a 27 de setembro de 2019 — o monte de lixo deixado no chão de uma avenida central em Lisboa. Isto significa que foi fixe ir com os amigos reclamar, mas nada foi verdadeiramente interiorizado. Entre o lixo, destacam-se vários cartazes com mensagens de ordem ecologistas: "Não furem o futuro"; "Justiça climática já", entre outras. Afinal muitos dos manifestantes não tiveram sequer a decência de levar os cartazes para casa e recicla-los.
            Protestar e ir de arrasto na turba dos colegas é fácil e divertido, acusar os outros é ainda melhor, difícil, difícil é vestir por completo “o fato” de protesto que se traduz em arrumar o quarto, gastar pouca água no duche, economizar energia, beber água da torneira, evitar o consumismo e a cultura da embalagem,… e depois acusam as gerações anteriores.
            O quê? Roubámos a infância e os sonhos da Greta? Não concordo nada. A Greta tem vivido confortavelmente na Suécia e os sonhos não se roubam. O futuro, talvez…
            De facto as gerações anteriores contemporâneas do Green Peace e dos protectores solares para evitar os malefícios do buraco de ozono, lutaram pelo conforto da família e especialmente dos filhos – que nada lhes faltasse e se possível anteciparem-se aos seus desejos.
            E ela não os perdoa.
            Reclamar é fácil, difícil é ser coerente.
            Rais parta que isto é um fato apertado, justo, bem difícil de vestir diariamente!
            — Ai, se um iogurte está fora de validade!
            — Ai, se o pão está duro!
            — Ai, que gostamos tanto de comida processada.
            — Uiiii, comer espinafres e favas, que nojo!
            — Ai, ir a pé para a escola? Que seca!
            — O bifinho é tão bom!
             E os jovens mais crescidinhos e que até já estudam na universidade, mais críticos, com mais formação e mais responsáveis, fazem uma publicidade sobre as caloiradas em Coimbra absolutamente nojenta, manifestando um desrespeito pelo direito das mulheres (shots em troca de actos sexuais), e bebem e bebem até perder a noção onde abandonam os copos, as garrafas e os sacos de plástico (em todo o país). Os manifestantes mais novos, não veem a hora de entrar na Universidade e cometer as mesmas alarvidades. Que se lixe a justiça climática!
            Tenho pena da Greta, uma menina frágil e bem-intencionada, mas que vomita ódio, não criando empatias universais e se deixa levar por interesses invisíveis, que um dia irão esclarecer muita coisa.
            Gosto mais da Jane Fonda. Deve ser da idade!
Publicado em NVR

19 outubro, 2019

17 outubro, 2019

Entre livros


Sou eu e a Ana Martins .

Conhecemo-nos em Viena, viajamos juntas por Viena, Bratislava, Budapeste e Praga, e nunca mais perdemos o contacto. A Ana é uma lutadora, uma menina mulher sem barreiras, que viaja pelo mundo, sozinha, sem qualquer problema, vendo-o, escutando-o e sentindo-o de outra maneira. Foi por causa dela que fiz uma edição áudio do meu livro “O fato que nunca vestimos” partilhando-a gratuitamente com a Associação de Cegos e Ambliopes. Há dois dias, em hora de adormecer oiço a voz da Ana no meu telemóvel, mostrando interesse em partilhar o meu livro num espaço “Entre livros” para muitas mais pessoas o poderem conhecer. A Ana tem formação superior, é psicóloga e sou sua fã, pela sua resiliência, sentido de humor, boa disposição, jovialidade e… e ainda por cima é lindíssima e pinta muito bem os olhos, faz-me ver o mundo de outra maneira e gosto de lhe descrever detalhes. Tenho pena de não estar contigo para te descrever a Opera de Garnier, talvez um dia nos encontremos de novo por esse mundo. Beijinhos.

09 outubro, 2019

FREITAS DO AMARAL

FREITAS DO AMARAL
            A primeira vez que vi Freitas do Amaral, o professor catedrático de Direito, foi através da televisão, nos tempos de antena das 1ªs eleições legislativas (Abril de 1975). Éramos todos inexperientes na democracia e desconhecíamos a importância dos media na divulgação de mensagens/informação. Nesses primeiros tempos de campanha eleitoral, com tempos de antena muito limitados, onde muitos ficavam com o discurso a meio, Freitas do Amaral surgiu no écran com o seu olhar de corvina assustada e iniciava o tempo, fazendo o sinal da cruz. Esta gestualidade não colheu grandes simpatizantes. Não havia sondagens, a informática estava em embrião, certas contas ainda se faziam de lápis na orelha, nada se sabia de técnicas de comunicação e marketing em campanhas eleitorais, como estas influenciam as massas e havia de facto um grande número de votantes cristãos, a quem o sinal da cruz de um democrata cristão, poderia assentar bem. Rapidamente reconheceu que se tornava um pouco ridículo, num Portugal pós Abril, quase no final do século XX, feito de homens de barbas ou grandes patilhas, numa campanha eleitoral, onde vale tudo, menos “arrancar olhos”, apresentar-se com o sinal da cruz. 
            Os tempos eram de revolução, de punho no ar e grandes murais e seguiu-se o verão quente de 75, recheado de assaltos a sedes de partidos e a rede bombista… a sociedade extremou-se e Freitas do Amaral foi o rosto da direita portuguesa.
            Distinguiram-se quatro personalidades no espectro político, os verdadeiros pais da democracia portuguesa (da esquerda, para a direita): Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral. O jogo era feito por estes quatro homens, especialistas no direito, cada um representando um partido político, uns cantando mais victórias do que outros, alguns marcados pelo exílio… o equilíbrio da nossa sociedade deveu-se sem dúvida a estes quatro grandes. Cada um com o seu estilo e fisicamente distintos, fizeram a alegria dos caricaturistas portugueses, que regularmente popularizavam cartoons de sátira política. 
            Em 1986, Freitas do Amaral, concorreu para Presidente da Republica representando o CDS (partido que fundou) e o PSD (já órfão de Sá Carneiro) e os outros opositores foram Mário Soares, Salgado Zenha, Maria de Lurdes Pintassilgo e Ângelo Veloso. Freitas do Amaral teve mais votos, mas o sistema obrigou a uma segunda volta, disputando o cargo com Mário Soares. Que me lembre, foram as eleições mais participadas e agitadas, da democracia. O país dividiu-se em dois e a esquerda teve que engolir o “sapo” identificado publicamente numa entrevista a Cunhal, votanto maciçamente em Soares conferindo-lhe vitória, com mais 2% de votos do que Freitas do Amaral.
            Parecia mais velho do que de facto era. Um dia descobri que ele não era tão velho como aparentava e apesar de raramente aparecer com a sua mulher, esta era uma das mais bonitas companheiras dos nossos políticos - uma beleza serena, delicada e cuidada.
            O grande paradoxo deste senhor da política e das leis, deveu-se ao facto de ser sido fundador de um partido e de o ter abandonado, sabe-se lá porquê. Sofreu o exílio do seu próprio partido. Palavra, que isto sempre me fez confusão e foi esta a razão pela qual me decidi escrever, reconhecendo a sua rectidão como líder. O ardiloso Paulo Portas pareceu estar na base do seu afastamento e o super-paradoxo é vê-lo aproximar-se da esquerda, exactamente do partido do seu grande rival, Mário Soares. Um dia em entrevista teve a lucidez, a coragem e o humor para explicar, referindo que não tinha sido ele que virou à esquerda, ele manteve-se no mesmo sítio, o mundo é que tinha mudado, a engrenagem política também e o CDS teria rodado para direita, onde ele não se integrava — um homem quase eleito pela direita, acabou ao lado da esquerda.

            Hoje os jornais referem: “Um Homem que fundou um partido e morreu politicamente só”. (in Público on line).

Publicado em NVR