FREITAS DO AMARAL
A primeira
vez que vi Freitas do Amaral, o professor catedrático de Direito, foi através
da televisão, nos tempos de antena das 1ªs eleições legislativas (Abril de
1975). Éramos todos inexperientes na democracia e desconhecíamos a importância
dos media na divulgação de mensagens/informação. Nesses primeiros tempos de campanha
eleitoral, com tempos de antena muito limitados, onde muitos ficavam com o
discurso a meio, Freitas do Amaral surgiu no écran com o seu olhar de corvina assustada
e iniciava o tempo, fazendo o sinal da cruz. Esta gestualidade não colheu
grandes simpatizantes. Não havia sondagens, a informática estava em embrião,
certas contas ainda se faziam de lápis na orelha, nada se sabia de técnicas de
comunicação e marketing em campanhas eleitorais, como estas influenciam as
massas e havia de facto um grande número de votantes cristãos, a quem o sinal
da cruz de um democrata cristão, poderia assentar bem. Rapidamente reconheceu
que se tornava um pouco ridículo, num Portugal pós Abril, quase no final do
século XX, feito de homens de barbas ou grandes patilhas, numa campanha
eleitoral, onde vale tudo, menos “arrancar olhos”, apresentar-se com o sinal da
cruz.
Os tempos
eram de revolução, de punho no ar e grandes murais e seguiu-se o verão quente
de 75, recheado de assaltos a sedes de partidos e a rede bombista… a sociedade
extremou-se e Freitas do Amaral foi o rosto da direita portuguesa.
Distinguiram-se
quatro personalidades no espectro político, os verdadeiros pais da democracia
portuguesa (da esquerda, para a direita): Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá
Carneiro e Freitas do Amaral. O jogo era feito por estes quatro homens,
especialistas no direito, cada um representando um partido político, uns
cantando mais victórias do que outros, alguns marcados pelo exílio… o
equilíbrio da nossa sociedade deveu-se sem dúvida a estes quatro grandes. Cada
um com o seu estilo e fisicamente distintos, fizeram a alegria dos
caricaturistas portugueses, que regularmente popularizavam cartoons de sátira política.
Em 1986,
Freitas do Amaral, concorreu para Presidente da Republica representando o CDS
(partido que fundou) e o PSD (já órfão de Sá Carneiro) e os outros opositores foram
Mário Soares, Salgado Zenha, Maria de Lurdes Pintassilgo e Ângelo Veloso. Freitas
do Amaral teve mais votos, mas o sistema obrigou a uma segunda volta,
disputando o cargo com Mário Soares. Que me lembre, foram as eleições mais
participadas e agitadas, da democracia. O país dividiu-se em dois e a esquerda
teve que engolir o “sapo” identificado publicamente numa entrevista a Cunhal,
votanto maciçamente em Soares conferindo-lhe vitória, com mais 2% de votos do
que Freitas do Amaral.
Parecia mais
velho do que de facto era. Um dia descobri que ele não era tão velho como
aparentava e apesar de raramente aparecer com a sua mulher, esta era uma das
mais bonitas companheiras dos nossos políticos - uma beleza serena, delicada e
cuidada.
O grande
paradoxo deste senhor da política e das leis, deveu-se ao facto de ser sido
fundador de um partido e de o ter abandonado, sabe-se lá porquê. Sofreu o exílio
do seu próprio partido. Palavra, que isto sempre me fez confusão e foi esta a
razão pela qual me decidi escrever, reconhecendo a sua rectidão como líder. O
ardiloso Paulo Portas pareceu estar na base do seu afastamento e o super-paradoxo
é vê-lo aproximar-se da esquerda, exactamente do partido do seu grande rival,
Mário Soares. Um dia em entrevista teve a lucidez, a coragem e o humor para explicar,
referindo que não tinha sido ele que virou à esquerda, ele manteve-se no mesmo
sítio, o mundo é que tinha mudado, a engrenagem política também e o CDS teria rodado
para direita, onde ele não se integrava — um homem quase eleito pela direita,
acabou ao lado da esquerda.
Hoje os
jornais referem: “Um Homem que fundou um partido e morreu politicamente só”. (in
Público on line).
Publicado em NVR
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