24 dezembro, 2018

18 dezembro, 2018

Pode ou não pode


Pode ou não pode?
            A organização PETA, Pessoas pela Ética no Tratamento de Animais divulgou a pretensão para alterar os provérbios com animais, e alterar expressões que reforcem comportamentos negativos contra os animais. Isto desencadeou na sociedade portuguesa indignação e muita gargalhada, porque esta situação pode considerar-se menor e um pouco ridícula perante a urgência de proteger os animais de maus tratos, abusos e contrariar o abandono dos animais. É urgente o reforço de valores e de medidas concretas de respeito pelo mundo animal, mas nada disto tem a ver com provérbios e expressões que fazem parte da cultura portuguesa e que não passam de palavras, sem consequência.
            Os portugueses invadiram as redes sociais com comentários irónicos sobre a proposta da PETA. Fico surpreendida com o nosso sentido de humor, oportuno rápido e firmando o exagero, como deve ser a estrutura do mesmo. Ri às gargalhadas com algumas perguntas pertinentes que muitos colocaram, para se inteirarem se seria ofensivo para os animais, se pode, ou não pode, que comportamentos já geraram e como alterar expressões, a saber: O burro e vaca sairão do presépio? Continuará a haver missa do galo? Retiram-se as renas dos postais de Natal? Como iremos recontar as histórias da arca do Noé e do Capuchinho Vermelho? Os polos Lacoste deixarão de ser fabricados? Será melhor deixar de comprar os queijinhos, “La vache que rit”?
            Devemos anular expressões, como: “Tenho uma vida de cão”, “Vou pegar o touro pelos cornos”, “ Cantas como um rouxinol”, “Olhar de lince”, “Andar de pantera”, “Riso de hiena”, “Cada macaco no seu galho”, “Os ratos são os primeiros a abandonar o navio”, “Estou pior que urso”?
            Letras de música que poderão ser altamente violentas:
“A pulga salta e a pulga grita, vai-te embora ó pulga maldita”
“Atirei o pau ao gato-to”
            Histórias de La Fontaine, pode?
            Insultos? Cavalona, filho de uma cabra, cabrão, cáfila, asno, galinha, estás uma baleia, trombas de elefante…
            Elogios? És uma gata, meu leãozinho.
            Diogo Cão, ficara sem cão? E como ficam os nomes dos meus amigos -- Pedro Cordeiro, José Canário, Luís Leitão, Luísa Cigarra, Ana Coelho, Joaquim Peixinho,…
            Nunca mais comeremos Punheta de Bacalhau?
            “A curiosidade matou o gato” – será caso de polícia?
            “A cavalo dado não se olha o dente” – olha?
            “Grão a grão enche a galinha o papo” – será possível que ela fique enfartada?
            “Burro velho não aprende línguas” – aprende?
            “Cão que ladra não morde”- e se morder?
 Publicado em NVR, 18/12/2018

08 dezembro, 2018


MUSEU THYSSEN

2017

Mãe de dedo mínimo partido

05 dezembro, 2018

AI OS HUMANOS





Ai os humanos

1. A propósito da pedreira de Borba nós humanos revelamos espanto e indignação perante aquelas crateras gigantescas de ausência de matérias geradas na natureza há mais de 280 milhões de anos. É em Borba e em muitos locais deste país por onde passamos por acaso e deparamos por esta paisagem revolvida e esventrada, em milhares de metros cúbicos de mármore, calcário, granito, xisto e outras pedras, alterando a morfologia das regiões.

2. A mesma indignação aflora com os eucaliptais devido à desertificação do clima e dos solos. Também somos contra os herbicidas e outros agro-toxicos.

3. Surpreende-nos o desmatamento da Amazónia, que aumentou 40% nos últimos 12 meses, e que uma grande parte deve-se à extração selectiva da madeira.

4. Criamos movimentos anti–barragens se por acaso, as escavações deparam com vestígios arqueológicos ou gravuras rupestres, ou se o impacto ambiental excede o “razoável” (uma barragem sempre tem, devido à sua dimensão), chegando ao ponto de anularmos a sua construção.

5. Somos todos a favor da proteção de certas espécies animais que estão em vias de extinção — coitadinhos, do lobo ibérico, do lince, da águia, do abutre-preto e do saramugo.

6. É proibido pescar petinga, pois claro!

7. Somos contra a poluição proveniente dos automóveis, das fábricas e dos lixos.

8. Somos contra a estanquicidade dos solos, para que a água siga os seus cursos naturais.

9. Somos contra a poluição dos rios e dos mares.

10. Interrogamo-nos sobre os incêndios e apregoamos até à exaustão a limpeza regular das matas.

11. Somos contra a poluição visual.

12. Não suportamos a poluição sonora.

13. Coitadinhos dos peixinhos que morrem enclausurados dentro dos sacos de plástico!

14. Somos contra as centrais nucleares.

15. Até somos contra as touradas…

Mas nós humanos, não trocamos o nosso conforto por nada…
1. Ambicionamos ter um quarto de banho revestido a mármore e esquecemos as pedreiras;
2. Orgulhamo-nos por preferir ler em suporte de papel, gostamos do cheiro, do tacto… adoro ler um livro e saborear uma bela maçã sem manchas e sem bichos. Esqueço-me dos eucaliptos e dos pesticidas.
3. Queremos móveis em madeira exótica e um bom soalho por toda a casa e lá vai a Amazónia!
4. Todos os anos tememos a seca e então reconhecemos a necessidade de armazenar água. Já somos a favor das barragens.
5. Mas nós gostamos de caçar e de aumentar pastagens para as vaquinhas… e o lobo ibérico?
6. É proibido pescar petinga, mas o dono do restaurante se já nos conhece, lá vem a petinga muito em segredo com nome de carapau.
7. Queremos andar de automóvel, queremos consumir produtos baratos resultantes do fabrico em série, e adoramos tudo embalado. Que se lixe a poluição e o excesso de plástico.
8. Estanquicidade do solo convém não saber o que é. É preciso muitos parques de estacionamento subterrâneos, e jardins pavimentados para tudo estar clean e com o pópó sempre por perto!
9. Sempre que possível lançamos toda a porcaria aos rios e aos mares, porque depois o mar leva tudo.
10. Os opinadores anti isto e aquilo, por acaso vão à mata recolher caruma para fazer estrume?
11. Este ano, nas férias bora lá curtir Las Vegas ou Hong Kong! Quanto mais reclames melhor!
12. Não gostamos de barulho, mas na queima das fitas os jovens precisam de se divertir e os nossos filhos já não sabem viver sem discotecas e bares abertos até as 6 da manhã – movida nocturna é isso!
13. E o plástico continua: sacos, saquinhos e saquetas. Sacos das compras, sacos para congelar, sacos para o pão, sacos para lanches, sacos para a fruta, sacos para os cereais… dá tanto jeito no transporte e na arrumação!
14. Queremos a energia cada vez mais barata e queremos estar sempre à mesma temperatura, quer seja Inverno, quer seja Verão. Viva o ar condicionado, os radiadores, as caldeiras a gasóleo e as lareiras, com grandes chaminés a fumegar!
15. Até somos contra as touradas, mas como é um acto cultural ver o touro furioso a esvair-se em sangue, tudo muda de figura.
Ai os humanos!
Publicado em NVR a 5/12/2018