26 novembro, 2019

Sessão de apresentação - pp


No final da apresentação passou um power point com imagens que ilustram o conteúdo da obra.
Pode consultar no E- Book.
https://issuu.com/culturalmente/docs/apresenta__o_silencio_kisanji_ebook

O SILÊNCIO DO KISANJI - apresentação no CCRVR








20 novembro, 2019

O ESTRANHO CASO DE SARA


O estranho caso de Sara 

            A notícia teve impacto em todos nós, quando percebemos que uma mulher abandonou o seu filho vivo, recém-nascido, num receptor de lixo. A voz da indignação multiplicou-se por esse país fora. Todos se indignaram, porém, felizmente, quem tem sentido crítico sobre as coisas, parou para pensar e questionar o acontecimento, tentando perceber as razões sobre tal acto inconcebível. A jovem o que faz, quem é? A situação é de tal forma hedionda, que não basta condenar, é necessário perceber porque isto aconteceu.
            Sabe-se que a mãe tem 22 anos, era uma sem-abrigo, cabo-verdiana e pouco mais. A Sara tinha companheiro, prostituía-se, violaram-na, como surgiu essa gravidez? Ela está cá há quanto tempo? Como chegou a esta situação?
            Uma gravidez é impossível de esconder e esta decorreu até ao fim… com um parto de rua, realizado sobre a betonilha fria e cheia de micróbios, é difícil ninguém ter visto. Nada sabemos, apenas o desfecho da situação, um recém-nascido abandonado no lixo.
            Imaginem que alguém sai de Cabo Verde, para procurar uma vida melhor, sem pai nem mãe para a proteger/orientar e que afinal, o dinheiro acaba, não tem onde viver e acaba na rua. Ao frio e ao calor, em que a única coisa que a acolhe para dormir é uma placa de papelão de um frigorífico, se a carregar durante todo o dia ou se conseguir escondê-la durante o dia para ser utilizada à noite, e as estrelas de um céu nem sempre presentes. Temos uma gravidez que ainda nem sabemos muito bem como foi, mas foi. Esta menina de 22 anos, que poderia ser uma nossa filha, não teve pílula do dia seguinte, consulta pré-natal, assistência médica, ecografias, vitaminas, acido fólico… também nem sabemos quando ela percebeu que estaria grávida. Provavelmente percebeu quando já não tinha aquela pasta de sangue mensal a pegar-se entre as pernas.
(escrevo de forma realista porque a realidade é dura)
            O sono que sempre acompanha uma gravidez, foi realizado sobre a betonilha da rua, onde pisamos, onde cuspimos (alguns), onde apagamos as beatas (outros), onde os cachorrinhos de estimação mijam, onde as pulgas saltam, onde as chicletes se colam cheias de cuspe dos putos mal-educados que cospem para o chão. Foi ali onde esta jovem que muitos amaldiçoam viveu a gestação. Teve enjoos matinais? Teve desejos de comida. Desejos teve seguramente, porque os esfomeados sempre têm desejo de comer. Será que estas condições degradantes de habitabilidade afectam o raciocínio, as emoções e os valores?
            Então imaginem-se assim, a barriga a crescer, sem ter um calendário ou um relógio, para assinalar cada dia que passa nesta contagem regressiva. Cada nascer do sol é um dia, sem uma parede para desenhar os risquinhos da contagem primária. Enxoval? Só se fosse feito de um papelão de um micro-ondas…
            Ninguém percebeu ao longo de nove meses que este ser humano vulnerável e cheio de carências (todas) vivia na rua com a barriga a crescer? Adiantou-lhe bem estender a mão ou esticar o olhar sombrio e desesperado para quem se cruzou com ela! Uma gravidez termina algum dia num parto feito de chão todo contaminado pelos nossos pés. Nós que andamos atarefados, nem percebemos quem está a viver na rua a parir?
            Quem a ouviu gritar? Quem a ouviu a gemer? Quem lhe facilitou o parto? Teve dilatações como todas as outras mulheres, mas não teve toques, nem ultrassons. Teria água para beber? Quem controlou o batimento cardíaco do bébé dentro do útero? Quem se preocupou com a bactéria streptococcus B? Alguém mediu a tensão arterial da mãe?
            O bébé nasceu. Poderia sobreviver sem roupa, sem fraldas, sem banho, sem cuidados médicos, com um cordão umbilical ao pendurão? Claro que não. Meninos da selva, só existem no mundo Disney, a realidade é outra.
            Nós que estamos no sofá, somos capazes de dizer que esta mulher teria outra opção? Certamente sim, se tivesse a lucidez que todos temos, pessoas alfabetizadas, instruídas, sentadas no sofá, a ver televisão com um telemóvel ao lado. Mas ela teria de facto outra opção?
            A Sara, sabe-se lá porquê, desceu ao último degrau da dignidade e da decência, situando-se no último patamar negativo do desespero, da desgraça e da miséria humana, onde os valores, a consciência e a ética, são sufocadas pela falta de tudo até de lucidez.
            Ela poderia ter feito, isto e aquilo, mas não fez. Provavelmente deveria ter interrompido a gravidez, deveria ter cuidado do novo ser por forma a ser abandonado num sítio mais decente e menos arriscado, deveria ter pedido ajuda, já que ninguém a viu, mas só conseguiu chegar até ao caixote do lixo.
            Pelo que sei, a Roda dos Expostos já referida no artigo de Ribeiro Aires na última edição, na sua análise histórica, voltou a alguns países europeus, incluindo Portugal. A lei já permite a entrega de um recém-nascido para adopção sem haver consequências criminais, mas os procedimentos necessários tornam estes processos não acessíveis a uma sem-abrigo, porque à partida o parto não é um parto assistido e ela está fora da matriz da razoabilidade.
            O bébé salvou-se e a Sara foi detida. Há crimes que compensam? Dá que pensar!  A Sara passou a ter a nossa atenção, sítio onde dormir, sítio para comer e fazer a sua higiene, um psiquiatra para a ajudar a ultrapassar as suas vulnerabilidades psíquicas, os seus desequilíbrios e distúrbios emocionais, as suas medonhas e repugnantes decisões e provavelmente condições para voltar a subir os degraus da vida.
            Ela será uma ameaça para a sociedade ou a sociedade é que tem sido uma ameaça constante para a Sara? Deve ser punida, se chegarem à conclusão que a vida já não a puniu o suficiente, deverá cumprir pena, mas algum de nós estará em condições de a julgar assim de forma ligeira apenas pelo acto final de sub-humanismo monstruoso?.
            Quantas Saras vagueiam pelas ruas? Isto é a nossa vergonha! Quantos bébés já foram abandonados no lixo, sem serem salvos?
(reflexão sobre um caso, será este o caso de Sara?)
Publicado em NVR a 20/11/2019

16 novembro, 2019

 Lapha ngiphelelwe ngamazwi, angikwazi nokulala ... ngabuyela lapho kwaqala khona konke.


 Cairo.

15 novembro, 2019

CONVITE

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CONVITE
Anabela Correia de Almeida Quelhas, 
tem o prazer de convidar V. Exa para o lançamento do seu livro 
“O SILÊNCIO DO KISANJI”, 
que terá lugar no dia 26 de Novembro de 2019, pelas 21h30m, 
no Centro Cultural Regional de Vila Real, 
Largo de S. Pedro  nº 3 em Vila Real.

06 novembro, 2019

De fado não gosto



De fado não gosto     
         De fado não gosto, nem desgosto. Não me diz nada. Pronto! Não gosto mesmo. Lamento decepcionar quem me lê, mas não aprecio fado.
         A primeira vez que escutei e vi, foi através da RTP, em registo a preto e branco; depois acompanhei os meus pais para ver “Capas Negras”, o famoso filme português com Amália Rodrigues, como actriz, no tempo em que a voz e a articulação mandibular se descoordenavam facilmente, e finalmente tive o trauma dos traumas, durante três semanas, num concurso de montras do Natal, um estabelecimento comercial candidato localizava-se no R/C do edifício onde eu habitava, homenageou Amália Rodrigues e tive que suportar diariamente o fado da Mariquinhas, foi no Domingo passado que passei, à casa onde vivia a Mariquinhas… e passei-me.
         As minhas preferências melódicas identificam-se mais com as “pedras rolantes” e toda a rockalhada posterior, ficando difícil comover-me com as histórias dos amores empedernidos, das desgraças da vida, que fazem chorar as pedras da calçada, retratadas no fado. Não tenho sensibilidade apurada a esse ponto. Aprecio Brell, Reggiani, Cohen, mas fado, fado, não. Fico até um pouco constrangida quando estou em Lisboa e me convidam para ir a uma casa de fado e eu recuso, confessando este meu defeito, porque de facto o fado choradinho…. Nada!
         Vem sempre alguém dizendo ah mas a Mariza, ah mas o Rui Veloso também canta, ah mas … Naaa isso não é a mesma coisa, não se pode meter Fernando Farinha, Marceneiro e Amália no mesmo saco da Mariza, da Ana Moura e da Carminho e muito menos comparar com Rui Veloso.
         Aprendi a admirar a AMÁLIA por entender que ela deveria ter valor, por ser conhecida em todos os países e se tornar um ícone de Portugal. Comecei a achá-la simpática pós 25 de Abril e interessei-me sempre pelas suas histórias mais pessoais, onde Amália revelava a sua sensibilidade, autenticidade e generosidade – conta-se que no fim dos espectáculos, daria de beber à dor e gostava de criar momentos para cantar gratuitamente para quem não podia comprar bilhete para os seus espectáculos. Gostava das entrevistas dela, por fazer questão de falar nas suas origens humildes. A “nossa” Amália, no tempo da outra senhora, conseguiu abrir caminhos, nem sempre fáceis de percorrer. A partir de 1962 canta Alain Oulman e outros grandes poetas portugueses, dando algum trabalho à censura portuguesa, e abre portas para locais com glamour em diversos países. Eu comparava-a à Maria Callas (reconheço que também não gosto), uma Sinatra no feminino, sei lá. A minha admiração sempre foi muito enigmática, devido à minha insensibilidade perante essa expressão musical chamada fado. Sempre gostei da sua postura sorridente, de já aposentada e que cantava em situações especiais, já não cantando a letra toda ou porque já não se lembrava, ou porque já não lhe restava paciência. Adoro o boneco inventado por Joaquim Monchique.
         Quando faleceu, surpreendeu-me o funeral com milhares de pessoas na rua, transmitido pela TV. Depois foi para o Panteão. Visitei o Panteão posteriormente, para entender a polémica de ir ou não para aquele local, que dividia os portugueses. Fui e não gostei. Deparei-me com essa modernice de colocar a gravação voz de Amália, a cantar em contínuo e em volume elevado, dentro daquele edifício grandioso, um pouco vazio e muito fúnebre, perturbando os ilustres depositados nos seus túmulos. Se querem saber achei deprimente.
         Esta semana tomei conhecimento acerca de uma investigação realizada pela revista Visão sobre esta figura, tendo comprovado que ela teria apoiado financeiramente algumas famílias de presos políticos antes da revolução, portugueses exilados e amigos antifascistas. Reconheço-lhe atitude generosa, grandiosa e perigosa. Percebi que viveu no fio da navalha, entre o estrelato do regime e “os cortinados de chita às pintinhas”, tentando equilibrar de forma inteligente, mas muito perigosa, a uma dupla postura que lhe poderia ser fatal.  
Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Foi de noite numa noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia.
Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar.
David Mourão Ferreira / Alain Oulman

Publicado em NVR em 6/11/2019