No início da noite, começa a chover.
A chuva vira mau tempo, temporal,
dilúvio.
Temos dificuldade em arranjar um
táxi que nos transporte da Avenida Almirante Reis até o aeroporto. Vamos para o
aeroporto debaixo de chuva intensa, o simpático casal acompanha-nos. Vejo
através dos vidros, que a chuva cai como num duche descontrolado, impedindo o
acesso a algumas ruas que irão aceder mais directamente ao aeroporto. Não me
deixam abrir os vidros, nem pôr os braços de fora, como é meu hábito. Temos de
fazer um transbordo, porque o taxista quer voltar para trás preocupado com a
sua família, que vive em sítio que se vai inundar certamente, e decide,
transferir-nos para um segundo táxi e regressar, transportando o casal amigo e
depois ir à vida dele, em socorro da família. Chegamos ao aeroporto e
encontramo-nos com o Agostinho, que estuda em Lisboa no Instituto Superior Técnico,
para se despedir de nós. Informa alguma coisa sobre o temporal que se abate
sobre Lisboa e a dificuldade em circular em certas ruas. O Agostinho, meu quase
irmão, e pessoa por quem nutro um carinho desmedido, presenteia-me com um
espesso livro de BD do Pernalonga,
para encurtar a noite que tenho pela frente. Adoro. Fazemos os três, uma
refeição ligeira no bar do aeroporto e, finalmente, perto da meia-noite chega a
hora de embarcar.
Já se iniciou o processo de
especulação do solo urbano na capital do Portugal imenso, já há patos-bravos a alterar o mapa
hidrográfico da textura urbana. Recordo os anúncios na televisão sobre o empresário
J. Pimenta “Pois, pois, Jota Pimenta” e as suas torres na Reboleira que marcam
esta época do início do desordenamento urbano e respectiva especulação
imobiliária de Lisboa e áreas satélites. A alteração dos cursos hidrográficos
permanentes e, ou cíclicos evidencia que a natureza não se deixa enganar, nem se
ilude com tretas e promessas de progresso. Há, e continuará a haver, vários
Jotas Pimenta, este, provavelmente, é mais inofensivo do que todos os outros
que se seguirão.
A chuva cai e não encontra os seus
cursos de escoamento naturais, provocando inundações inimagináveis na noite de
25 para 26 de novembro de 1967.
Chove mais e mais, sem parar. Parece
que quem vive lá em cima, se desgovernou, abriu um grande buraco no céu e agora
não sabe como o vedar. Tapar com o dedo não dá, mesmo sendo um dedo do Todo O Poderoso.
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