Cidade e identidade
A cidade é o
repositório de histórias por excelência.
Todos temos
uma identidade global e uma identidade nacional fundamentada num repertório do
grande colectivo, que nos converte em cidadãos de uma determinada época.
Depois, o
grande grupo de cidadãos do mundo, divide-se consoante o território onde habita
e constrói identidades mais personalizadas, com vertentes fortes de pertença,
de ligação aos lugares onde permanece e onde vive de forma mais ou menos
sedentária. Cada cidadão cria ligações aos lugares de memória antiga, de
memória intermédia e de memória presente. Os primeiros são espaços
arqueológicos que provocam grande orgulho sobre o passado longínquo, os
segundos geram dinâmicas das histórias do próprio individuo (onde nasceu, onde
se baptizou, onde namorou, onde fazia maroteiras com os amigos, onde se casou,
onde trabalhou, onde participou em eventos, onde se localizaram histórias
contadas pelos avós… ) e os terceiros, espaços urbanos mais recentes, vão-se
interiorizando e cristalizando em cada um.
Os elementos
de memória urbana são constituídos por edifícios civis, edifícios religiosos,
as ruas, as avenidas, os jardins, os coretos, os rios, as pontes, os
equipamentos colectivos e as árvores, testemunhas silenciosas, vivas, que nos
presenteiam com sombra, cor e odores. Tudo isto é como o fundo da tela de uma
pintura que interage com a figura principal representada na mesma, que neste
caso é cada um de nós. Quando o fundo se altera, a figura permanece, mas já não
é a mesma, porque lhe foi retirado algo familiar que interage com a sua
identidade. A inscrição das histórias urbanas realiza-se de forma diferente em
cada um, mas sobre o cenário comum a todos. Isto vale o que vale, uns valorizam
outros não, nunca pensaram nisto, porém, os lugares de memória são factores de
estabilidade social. A nossa identidade é aquilo que nos distingue dos outros,
que reforça a nossa auto-estima e que nos faz amar os sítios e convém manter-se
harmoniosa.
A cidade é o
suporte espacial das identidades. Os cidadãos transformam espaço, em lugares, apropriam-se
deles, os seus lugares, porque lhes atribuem conteúdo, simbolismo e geram
comportamentos personalizados. Misturam a sua trajectória com os processos espaciais
e as histórias aproximam-se e unem-se.
É perigoso
mexer com a identidade urbana. É necessário preservar os lugares para que a
identidade urbana e de cada um, sejam preservadas também. Sem memória, não há
diferença, não há singularidade.
A cidade
como organismo vivo em permanente e saudável crescimento, necessita também de
novos cenários urbanos a localizar nos novos espaços, para poder haver novas
leituras urbanas em contextos contemporâneos, enquadrados em narrativas
arquitectónicas actuais e até de vanguarda, não pondo em causa a identidade
referida, ou seja, novas intervenções em novos espaços.
O perigo em
mexer nos lugares é que são agressões irreversíveis. Não dá para voltar para
trás e repor situações anteriores.
Publicado em NVR - 11/09/2019
2 comentários:
Tão a propósito!!! Cada um que tire as suas conclusões.
Grata pelo seu comentário. Volte sempre.
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