16 dezembro, 2020

COMPRAR NO COMÉRCIO LOCAL

 

COMPRAR NO COMÉRCIO LOCAL

              Vila Real tem um problema sem solução à vista.

              Em menos de duas décadas, a nossa comunidade sofreu grandes alterações no que se refere ao comércio. Passámos do comércio local, ao comércio das grandes superfícies e agora, especialmente em tempo de pandemia, ao e-commerce, designação do comércio realizado através da internet.

              A comunidade não soube adaptar-se a esta evolução rápida. Como contrariar a força de um grande supermercado, ou de um centro comercial? É fácil criticar, mas todos utilizam o shopping, que une  a superfície das lojas, com o supermercado, porque tem estacionamento, ambiente aquecido e protegido das intempéries, mostra as novidades das grandes marcas internacionais, tem instalações sanitárias para quem precisar e ainda, uma praça alimentar e várias salas de cinema. Reparem, antes de termos o Nosso Shopping, muitos de nós, íamos fazer compras aos centros comerciais na região do Porto.

              Esta história começa muito antes… Antes do shopping já os comerciantes se queixavam pela oferta do mercado municipal, que duas vezes por semana, recebia alguns elementos da comunidade cigana, com ofertas de pronto-a-vestir fabulosas. Os utentes passaram a ter a alternativa do mercado dos farrapos, com produtos muito baratos, comprados em grande quantidades, junto às fábricas de têxteis do Vale do Ave. Os preços dos “farrapos” conseguiram esvaziar as lojas de Vila Real. Todo o processo começa aqui e passou a ser irreversível. Depois vieram, o shopping e as lojas dos chineses; em relação a estas últimas, ainda ninguém percebeu muito bem, as razões do seu sucesso e proliferação. Os nossos comerciantes não conseguem competir com eles, porquê? Porque não se abastecem nos mesmos locais? A passividade da personalidade dos nossos comerciantes não se coordena com os novos tempos de competição desenfreada. A estrutura comercial reflecte sempre as características culturais da sociedade num determinado tempo.

              O esvaziamento dos centros históricos é um fenómeno transversal a muitas cidades, acentuado pelo envelhecimento dos imóveis e da população residente e pela força centrífuga acentuada, originando o movimento para fora da cidade. Favorecer o trânsito de peões, aumentar espaço de permanência e de contacto, e afastar os automóveis para descongestionar as ruas e vielas, constitui uma das soluções aplicadas, que em muitos casos, deixou de ser solução e passou a fazer parte do problema, contribuindo ainda mais para o esvaziamento.  Não se vislumbra vitalidade e apenas declínio.

              Continuo convencida que a retirada da circulação automóvel e respectivos lugares para estacionamento, sem grandes estruturas para recolher automóveis, aqui em Vila Real, não funciona e esvazia ainda mais o centro da cidade, constituindo a estocada final da frágil estrutura  comercial.

              Tentei fazer as compras de Natal no comércio local. Encontrei, os únicos lugares de estacionamento gratuíto, quase junto ao ALDI. Demorei quinze minutos para chegar à avenida, andando a pé, já imaginando como seria o regresso carregada de compras. Andei por aí às voltas, cheia de frio, determinada que encontraria alguma coisa de interessante para comprar. Cruzei-me com poucas pessoas na rua. Uma grande parte das lojas estavam encerradas e vazias, pondo a nú o fracasso financeiro deste últimos meses. Sobrevivem ainda algumas, cheias de monos invendáveis - casacos e vestidos de há 15 anos – completamente obsoletas, de espaço exíguo. Encontrei três lojas de vestidos de noiva com montra bem arranjada, evidenciando uma melhor oferta, mas não me interessaram. O rosto de alguns comerciantes espelhavam o seu desânimo, olhando-me a espreitar, procurando algo que me interessasse comprar. Fico sempre na dúvida, se preferem que eu entre, ou se preferem  que não os incomode.  

              Fui comer um covilhete, para ganhar coragem e pedi para embrulharem seis. Tentei comprar o jornal, para a leitura das notícias acompanharem a degustação do covilhete – sem sucesso. Entrei em quatro lojas de pronto a vestir, não encontrei nada de especial e nem tinham o meu número, imaginando que todas as duas clientes vestem o 36. Entrei numa ourivesaria, interessada num alfinete usado, que estava na montra, algo que no Porto custa 30 ou 40 euros, pediram-me 67 euros.  Numa loja de artigos desportivos, perguntei por um modelo da botas sketcher, informaram-me que era melhor comprar pela internet. Insisiti para me fazerem a encomenda através da loja, não aceitaram. Comprei um livro na Traga-Mundos, e uma peça de vidro para pintar, adivinhem onde. Num chinês.

              No andamento fui vendo os presépios, alguns muito interessantes. Entretanto, começou a chover e eu tive que regressar - mais quinze minutos a pé até ao carro.

              Cheguei ao carro com a caixa dos covilhetes e as minhas botas, ensopadas em chuva. Entrei para o carro e interroguei-me, valeu a pena?

              Soluções: não tenho. Esta problemática não se ultrapassa, com animação cultural, faixas pedonais, requalificação do património, acusações dirigidas ao poder local… continuamos com o centro vazio. Talvez tenhamos que aceitar esta involução até aparecer uma estrutura empresarial com muito dinheiro, alimentada por um grande e inovador projecto de investimento num novo urbanismo comercial, apostando num marketing publicitário capaz de alterar este paradigma, mediando a transição entre o século XIX e o século XXI, sem se preocupar muito com o retorno financeiro.   

Publicado em NVR em 16/12/2020

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