ANITA E O FRIO
TRRRIIMMM,
toca o telemóvel imitando o velho despertador. São 7h30 da manhã, converso com
a minha almofada numa tentativa de a convencer a adiar o meu treino matinal na
passadeira.
Levanto
a persiana: Uau que lindo! Tudo branquinho, que maravilha! Paisagem
maravilhosa! Não é neve, mas é gelo. Paisagem
digna da tela do melhor artista plástico. Este cenário merece uma saída para
ver o Alvão nevado e tirar umas boas fotografias. Devo agasalhar-me.
“Fui
ver. A neve caía | do azul cinzento do céu, | branca e leve, |branca e
fria...|- Há quanto tempo a não via! | E que saudades, Deus meu! |” Augusto Gil
Tento
lavar os dentes e reparo que a água reduziu a pressão e apenas escorre um fio
de água. Visto-me, vou em 7 mangas, pareço uma moçoila do rancho da Nazaré com
7 saias prontas para dançar “Não vás ao mar Tóino” - camisola interior de
algodão, camisola transparente de aquecimento, camisa de flanela, camisola de lã
fina, camisola de malha polar, casaco de malha polar e finalmente o casacão
kispo; meia-calça, ceroulas, pijama e calças; 3 meias e botas com isolamento
térmico; gorro, cachecol e luvas.
Saio,
passeio pelos jardins aqui de casa, para ver os cristais a revestir as
plantinhas. A natureza é bela! Parece uma grande escultura em gelo, tudo tão rígido, tão perfeito, tão inerte, tão silencioso e tão poético!
“A
neve pôs uma toalha calada sobre tudo.” (Alberto Caeiro)
Pestanejo,
deixo de ver com nitidez, a minha lente de contacto enrijece com o frio, vira
cristal e cai. Plim!
Olálá,
coloco os óculos e a máscara.
Solta-se
da lateral da máscara umas nuvenzinhas de vapor, conformo respiro, que se vão
diluindo no ar gélido.
Olha
a roupa que está a secar!!! Parece o bacalhau do Natal, que giro!!! O Inverno
é lindo e cheio de surpresas. É tudo obra do Grande Arquitecto que inventa
assim umas paisagens celestiais, para agradar aos humanos.
Sinto
comichão nas mãos e nos pés, são as frieiras a galopar nos meus extremos. Ok, Anita
esquece, não interessa nada! Olha que lindo o sincelo, os campos geados. Bela a
natureza. Tudo tem uma razão, este gelo mata as pragas.
De
repente estou no chão. Diacho escorreguei no pavimento gelado. Pôssa lá foi
a artrose da anca! E a agora levantar? Pareço uma bola com tanta roupa. Pronto
fui descuidada. Ânimo.
Ora
vamos lá fotografar o Alvão. Que querida esta massa polar que nos faz ter
paisagens deslumbrantes e alvas!
Olha
uma estalactite linda, que escorrega naquele tubo da água, parece uma franja
rendada suspensa de um tubo. Lindo! - Anita a sentir-se uma privilegiada ao ver
estas maravilhas no seu jardim.
Que
belo é o Inverno!
Anita
continua a admirar o tubo e de repente olha para o contador da água - grande
bloco de gelo à volta do contador, fonix, afinal a água congelou e
rebentou o contador… por isso fiquei sem água para lavar os dentes!!! Como é
possível?! Mas ninguém morreu e nada me vai estragar esta bela manhã, alva
como o linho.
Entro
no jeep, coloco o cinto de segurança com alguma dificuldade. Porque o meu perímetro
abdominal aumentou consideravelmente. Estou um pouco chateada com a porcaria do
contador da água. O gelo afinal não é tão bonito assim.
Olho
para os vidros, estão todos brancos e opacos com o gelo. Ligo a chaufagem.
Nep,
não dá Anita!
O
que faço? Será melhor deitar um pouco de água.
água,
onde ? os tubos estão congelados.
Começo
a falar para dentro de mim mesma, dialogando monossílabos com a minha Anita interior. Não é bom
sinal.
Água,
água, humm, vou buscar um garrafão de água do Luso.
O quê? tenho os garrafões vazios? Ok
serve água das pedras, deve dar na mesma. Despejo duas garrafas de água das
pedras sobre o gelo, que repousa sobre o vidro do Jeep, só falta o limão, até
faz espuma, com o gás, parece um “pneu”, bebida que tomo nas esplanadas de
verão. O gelo compactou na mesma.
Anita
está a perder a paciência, e lembra-se
de algumas asneiras triviais que se infiltram por vezes na sua vida pacata.
Tenho que arranjar um líquido quente! Como vou fazer isso?
Vou
à despensa. Só vejo coca-cola, leite e muitas embalagens de ice tea.
Vai
de ice tea, coloco-o na chaleira, vou deitando o líquido quente açucarado, em
panelas e canecas e vou despejando sobre o vidro do carro.
Finalmente
surge um buraco entre o gelo. As coisas compõem-se. Ligo o motor do jeep,
continuo com dificuldade em apertar o cinto, pareço uma esfera, grávida de
tanta roupa, confesso que me sinto menos optimista com este percalço.
Não
consigo virar o pescoço, devido às muitas voltas do cachecol de lã, tenho que fazer a manobra olhando apenas pelos
espelhos retrovisores que não os vislumbro. O ice tea só deu para o vidro da
frente. Utilizo a manobra de emergência, por toque ou mais conhecida por
estacionamento por ouvido (se dá para estacionar, também dá para desestacionar)
– é como a música que se toca por ouvido, não sabemos o que é uma colcheia ou
uma semifusa, mas tocamos pífaro por imitação do que se ouve – acelero um
pouquinho em marcha atrás até ouvir bater, 1ª, chego à frente, de novo marcha
atrás e bate, 1ª, marcha atrás, bate…
Arranco,
lá vou eu, continuo a conduzir a olhar só para a frente. Na primeira rotunda, sinto
o piso escorregadio e faço um peão, Eh lá! Ia fazendo merda!
Na
segunda rotunda faço outro peão, uma curva, contracurva e bato contra um muro.
Rais
parta o frio fdp, que só faz gelo! Grande estoiro!
As
várias camadas de roupa, felizmente, funcionaram como airbag. Enquanto
espero pelo reboque, faço uma listagem mental das pragas contra o frio lindo e
maravilhoso, e todos os impropérios que aprendi na escola, no liceu, na
faculdade e nos andaimes das obras onde trabalhei.
Caspité! 30 mil comboios de p--as!
2 comentários:
Querida Anita, continuo a rir com o ice tea!!!!!
Olã Ana
Aguardo uma publicação em livro sõ sobre a Anita. Acho que perdi alguns momentos e já mereciamos um livro. Pensa nisso. Beijinho
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