Mudar de paradigma
Volto ao tema da
floresta, porque é obrigatório e não se vêem soluções no terreno, efectivamente
eficazes.
Todos opinam, apuram-se
culpados e culpas, entretanto começou a chover e brevemente tudo se esquecerá
até ao próximo ano, exceptuando aqueles que foram muito afectados com perda de
familiares, amigos, colegas e propriedades.
Tenho observado ao
longo dos anos, uma pequena comunidade transmontana, anualmente com a sua
floresta ameaçada, e tenho uma visão completamente diferente da maioria.
Acredito que a maioria dos incêndios tem origem criminosa. Teorias do caco de
vidro, da faísca das roçadoras são pouco prováveis, acrescentem-lhe os
eucaliptos e os pinheiros bravos, e andamos nisto há dezenas de anos.
Quanto a mim, teremos
que resolver o problema de outra forma, que passa pela organização e gestão do
território. Estamos no século XXI e não podemos analisar o problema à século
XIX. Hoje não se recolhem todos os resíduos florestais, porque as pessoas, felizmente,
vivem melhor e de forma diferente e não precisam desses resíduos para consumo
doméstico – já ninguém tem as lojas das vacas por baixo das habitações, então
não se recolhe a caruma para transformar em estrume, a maioria não queima lenha
para aquecimento, e assim não se recolhem pinhas, nem giestas. Quem tem
floresta é uma dor de cabeça fazer a sua limpeza, é uma despesa sem retorno e
nem sempre se encontra quem faça essa limpeza. Condenar os proprietários é
fácil, mas não é justo, e nem todos os proprietários vivem cá ou têm dinheiro
para a limpeza regular.
É urgente alterar o
paradigma. Creio que a solução terá que seguir esta dinâmica:
1 Inventariar todas as propriedades
(está a ser realizado o registo digital).
2 Converter as propriedades, que não
constam neste inventário, em propriedade do Estado. Há propriedades cujo
registo não é actualizado há quatro gerações – população que imigrou no início
do século XX para o Brasil ou África, não regressou e as partilhas são
inexistentes, ou bloqueadas pela ausência, impossibilidade ou desinteresse em
regularizar situações.
3 Criar estruturas locais capazes de
gerir estas propriedades. Mapear o seu território, juntar todas as florestas
publicas e privadas, onde cada um é proprietário de uma percentagem, consoante
os documentos que possuem, mas sem sítio específico. Essas estruturas poderiam
ser divididas por freguesias e fariam a gestão global dessa mancha territorial,
da limpeza ao reflorestamento, seguindo as orientações nacionais e regionais,
possibilitando a rentabilização dos resíduos, do abate e apostando na
vigilância e na prevenção dos incêndios – esta situação eliminaria barreiras no
território, eliminaria a divisão da propriedade, valorizaria os terrenos,
controlaria a limpeza, asseguraria o combate aos incêndios e protegeria espécies
animais.
4 Criar legislação adequada a este
novo conceito sobre a propriedade - área
sem sítio.
Seria isto uma
nacionalização? Não, é uma gestão colectiva equilibrada da floresta, com
sistema sustentável, que terá uma maior probabilidade de ser rentável, e torna tudo
mais fácil, mais coordenado e controlado, conciliando os interesses das
populações com o ordenamento do território e eliminando o abandono e a inércia
incapacitante de muitos, protegendo eco-sistemas e a regeneração natural.
Rendimentos e prejuízos seriam distribuídos segundo a percentagem que cada
proprietário possui. Solução que poderia gerar novos empregos, racionalização
de recursos mecânicos, facilitaria a aplicação de apoios financeiros,
fiscalização e obviamente exigiria uma gestão transparente, para ninguém
enganar ninguém. Também poderia ser denominada gestão activa e agrupada.
Antecipo o problema
cultural dos proprietários, habituados a ter o seu quadradinho murado e o
sentimento de posse, que parcela o território, e que será obrigado a pensar
maior e colectivamente, porque o fogo não respeita os princípios dos humanos,
nem quer saber desse sentimento.
Com penalizações não
chegaremos lá, excepto a detenção dos incendiários. E tudo fica na mesma, e
cada vez teremos menos floresta e mais prejuízos. O Estado disponibiliza este ano 6 milhões de
euros para compensar os prejuízos; nos anos anteriores o Estado disponibilizou
outras verbas para prevenção e combate a incêndios… não será melhor pensar isto
ao contrário, investir em programas que apoiem a mudança do paradigma?
Publicado em NVR, 2/10/2024
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