Sobre a obra MORRO DA PENA VENTOSA
Já não sei se dediquei
algum “Revoltando” a um livro. Desta vez é obrigatório que o faça. Comprei o
livro “Morro da Pena Ventosa” de Rui Couceiro, sensibilizada pela publicidade e
atendendo à indicação da minha amiga Fátima P.
Esta obra é uma
declaração de amor à cidade do Porto, mais especificamente, ao morro da Pena
Ventosa, ou seja, a parte mais antiga da cidade, o morro onde se localiza a Sé
do Porto e a Muralha Sueva.
Eu, sendo órfã de
terra, converti-me em cidadã sem terra ou do mundo, como me queiram entender, e
perante tamanha carência, a cidade do Porto acolheu-me e adoptou-me há muitos anos
e por isso, a minha apreciação está carregada de afectos e de identidade com
aqueles espaços e com o perfil de muitos tripeiros.
Rui Couceiro consegue
escrever uma obra perfeita e bela, que fascina o leitor do princípio ao fim.
Para quem conhece bem a cidade do Porto este livro enche-nos as medidas. Para
quem não conhece, constitui um grande estímulo para o conhecer. A sua narrativa
leva-nos aos sítios, lugares e às gentes, mediante um realismo mágico, atento e
observador, forte em emoções. Senti-me personagem da obra, ora refrescando a
minha memória, ora consultando informação já esquecida. Os assuntos são
diversos e actuais: a morfologia da cidade, com os seus rios subterrâneos
invisíveis, a transformação urbana recente provocada pelo turismo, as
alterações dos imóveis, a transferência de população para a periferia, a
mudança de hábitos, os problemas ambientais que estão na ordem do dia, as
paixões, os afectos, os nossos fantasmas, as utopias e os recursos psicológicos
para podermos sobreviver num século XXI, por vezes agreste e desumanizado.
A história da cidade
está sempre presente, assim como ela se liga ao território e a quem o habita.
Há dois momentos que devo
destacar, o primeiro realista e chocante para os mais ingénuos, e o segundo
fantástico, mas premonitório.
O primeiro relaciona-se
com a descrição do sítio escondido e clandestino, onde as mulheres se dirigiam,
de qualquer classe social, para abortar, quando a interrupção voluntária da
gravidez era proibida. É uma descrição realista, sórdida e arrasadora, que
impressiona qualquer mente. O drama vivido por muitas mulheres e a solução tão
fria e desumana a que eram submetidas, localiza-se há menos de vinte anos. Merece
reflexão.
O segundo é a forma
fantasiosa que Rui Couceiro utiliza para descrever a absoluta dependência da
cidade, do rio Douro, transportando-nos para um dia, ficcionado, com situação
calamitosa, em que o rio seca, e apenas resta a fenda abrupta do seu leito em
que chega a ter quarenta metros de profundidade, com tudo o que ele arrasta. Evidência
para a entre-ajuda e resiliência, das suas gentes, que nunca se conformam com
injustiças, determinadas perante este novo desafio de voltar a encher o seu
rio, nem que seja com garrafões de água transportada de outros lugares.
Aconselho um ler sem
pressa e deixe-se levar pelas palavras, iniciando-se com um realismo
desconcertante e terminando com uma narrativa ficcionada que nos traz conforto
ao coração. Ao aproximar-se do fim, irá ler ainda mais devagar, para atrasar o
fim, e no final certamente olhará para a cidade do Porto com outro olhar.
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