Madame Lamy
Iniciava o curso liceal, com dez aninhos feitos em Março ia
para o liceu a pé com duas colegas. O percurso de 2km, aproximadamente, fazia-se
a pé, atravessando ruas e avenidas no meio da mancha urbana de Luanda, debaixo
de um calor tórrido. As aulas começavam a meio de Setembro, às 13h e eu saia de
casa por volta das 12h30, com uma bolsa a tiracolo cheia de livros e cadernos
das aulas do dia.
Madame Lamy era a professora de Francês, senhora com mais de
50 anos, muito simpática, sempre cheia de calor, que transportava leques e
abanicos, e que se penteava à anos 60, com o cabelo apanhado em coque, mais conhecido por banana. A meio de Outubro, já andávamos a aprender o verbo être, je suis, tu es, il est, nous sommes, vous êtes,
ils sont… cruzámo-nos no mesmo elevador do edifício gigante onde vivíamos, sem sabermos
que eramos vizinhas.
- Vais para o liceu?
- Vou, Madame.
- A pé?
- Sim Madame.
- Então podes ir sempre comigo de carro, a esta hora. Não
precisas de apanhar todo este calor.
- Merci beaucoup Madame, mas tenho duas colegas à espera que
vão comigo. A Leo e a Graça.
- Do 1º C? Não tem problema, três ainda cabem no carro.
Fui chamar as minhas colegas e fomos para o estacionamento.
Não sabia qual era o carro da Madame Lamy, desconhecia que ela morava naquele
edifício. Ela esperava-nos junto a um Volkswagem preto, apenas de duas portas, que
tinha uma tabuleta com as iniciais MG (Ministério da Guerra), junto à matrícula,
e estava um “impedido” chofer fardado junto à viatura.
- Cabo Aloísio, estas meninas vão connosco.
Cabo Aloísio delicadamente abriu a porta da direita e descaiu
o banco da frente, entraram primeiro a Leo e a Graça, depois Madame Lamy para o
banco traseiro, Cabo Aloísio, ajustou o banco e eu sentei-me à frente. Fechou a
porta, fez um ligeiro sinal de bater de pés, sem continência, deu à volta ao
carro e sentou-se no banco ao volante.
- Pode seguir Cabo Aloísio, está tudo em ordem.
Seguimos confortáveis, a primeira vez um pouco intimidadas
com toda esta cerimónia, mas a Madame logo nos tranquilizou.
- Cabo Aloísio tem esta tarefa de me transportar para o Liceu. Quando o Sr. General está cá também o
transporta para as tarefas dele, que têm prioridade. Sintam-se à vontade o Cabo
Aloísio é muito prestável e homem de confiança do Sr. General, é um cavalheiro.
Não vos posso trazer no final das aulas, porque saio mais cedo, mas podemos
sempre ir juntas.
- Muito obrigada, Madame.
Cabo Aloísio era uma espécie de Ambrósio, ao serviço da
guerra colonial, sem Ferreros Rocher, mas com muita pinta.
Passado uns dias, já brincávamos com o Cabo Aloísio, enquanto
a Madame não descia, porque afinal ele só tinha mais 10 anos do que nós.
- Bonjour Madame- cumprimentávamos a Madame com um beijinho, e
depois o percurso era feito sempre com boa disposição.
Madame perguntava-nos sobre
os estudos e sobre as brincadeiras, e ria-se da nossa partilha genuína, por
vezes traçada com pormenores caricatos que a faziam rir.
- Contem-me outra vez aquela aventura com o picolé e o jacaré! E a revista Salut Les Coupins já está à venda? Sim... o Alain Delon é o mais bonito de todos!...
Madame Lamy, iniciou-me na língua francesa e semeou o
interesse e o conhecimento que ainda tenho hoje sobre a língua e cultura francesas, e por
Paris – Madame continua no meu coração, merci beaucoup.
Dia do professor, 5/10/2024
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” de Anabela
Quelhas
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