A nova avenida
Todos
os projectos urbanos estruturam-se em motivações políticas, históricas, sociais,
económicas e só depois, vem a estética, a ética e a sustentabilidade. São
sempre projectos de grande complexidade, pouco compreensíveis pelo comum dos
mortais, já que estes julgam superficialmente agora reforçados com o “webachismo”.
A geometria tenta dar forma às funções, às questões colocadas, às
condicionantes, entendida como a matéria-prima do desenho arquitectónico e engloba
sempre diversas opções que podem sensibilizar, mais uns do que outros, tentando
solucionar os pontos fracos que existem. A arquitectura, felizmente, não é
matemática, com produtos únicos. A arquitectura faz-se de muitas soluções,
conforme a época e o autor, por isso é tão interessante, porque desperta em nós
avaliações e juízos de valor, diversos.
A
avaliação de um projecto urbano deve fazer-se conhecendo os antecedentes,
pontos fracos e fortes, e os objectivos a atingir, para depois se atribuir
valor ao que se realizou e avaliar. Se o projecto atingiu os objectivos será um
sucesso, se não atingiu, será um mau projeto. Esta é a forma linear de
reflectir, mas nem sempre a vida é linear e aquilo que se pensa hoje, talvez não
se pense amanhã, sem que a mudança tenha que ser desconfortável ou contrariada.
Na
execução da obra e no confronto com a opinião pública, apela-se ao onírico, ao
sonho, à filosofia estética, às teorias mais ou menos românticas e imaginadas, algumas
absurdas e bizarras, para conquistar os mais cépticos, também pelo coração. Às
vezes funciona, outras não. Acreditar que D. Sebastião regressará numa manhã de
nevoeiro, acciona a nossa esperança e optimismo, Não resolve os nossos
problemas, mas faz-nos bem. Sobre a nossa avenida já ouvi tanta coisa digna de
uma fotonovela, que até resolvi esquecer. Por favor, digam a verdade e
expliquem com clareza aquilo que não tem sensibilizado pela positiva a opinião
pública.
A
avenida Carvalho Araújo já tinha sido intervencionada, pela Câmara PSD, tendo
decepado a mesma, portanto não fazia sentido o PS manter um resto de jardim
moribundo, só porque sim, subjugando-se a uma avenida em ruínas. Já escrevi
sobre isso.
Sobre
o projecto actual, completamente minimalista, com forma contemporânea, todos
fazem a analogia com a Avenida dos Aliados de Siza Vieira, também polémica, também
minimal, também “clean” e árida, mas que encontra algum sentido na festa de S. João,
em grandes eventos públicos e nas grandes manifs.
Hoje
na mente dos cidadãos fica difícil a transição de um jardim arrumadinho, simétrico
entre si, cheio de florzinhas organizadas, mais para ornamentação do que para
ser vivenciado, para um novo desenho contemporâneo, em que será mais importante
a vivência, do que a forma. Anteriormente o que terão pensado os vila-realenses
quando lhe retiraram o seu terreiro junto à Sé e criaram um jardim muito
bonitinho e arrumadinho, que não permitia a permanência das pessoas? Tentando
não manifestar muito a minha concordância ou repúdio, leio assim esta intervenção:
1 – A tentativa para conquistar
espaços para peões no centro urbano, está politicamente alinhada com a Europa e
com os problemas ambientais que são de todos nós. Esta estratégia repete-se em
diversas cidades europeias criando soluções que dificultam ou reduzem a
circulação automóvel. É urgente reabilitar os centros urbanos e dar espaço que
favoreça a residência e o lazer das pessoas. O lugar atrás da adufa, terminou
há muito e o comércio tradicional colapsou, desde que as grandes superfícies se
instalaram no território.
2 – O desenho urbano da avenida abandona a
simetria, porque os edifícios de topo não podem propor qualquer alinhamento,
dado que ele nunca existiu. Puxou-se a circulação automóvel para o lado dos
equipamentos – Hospital, Sé, Conservatório e CTT – beneficiou-se o lado dos
cafés (saiu-lhes a sorte grande) com mais espaço. Este espaço pedonal não tem
que ter passadeiras, porque o trânsito deve ser condicionado, portanto, a
prioridade será sempre dos peões. Agrade ou não, é assim. Esta avenida deixou
de ser zona de passagem e tenta ser zona de permanência. Veremos se resulta.
3 – A construção da barreira
criada entre o edifício que simboliza o poder judicial e o resto da avenida, é
o calcanhar de Aquiles desta avenida renovada. Refiro-me obviamente à antiga praça
Luís de Camões. Se estivéssemos no tempo da outra ”senhora”, esta seria uma
barreira conseguida, porém incoerente e frágil, porque a geometria parece pretender
unir, com a eliminação da rua, mas em simultâneo separa. Há aqui algo que falha
profundamente e os cidadãos perceberam logo isso, mesmo que não consigam
teorizar. A implantação do tribunal em
cota alta já confere a este edifício a dignidade que se pretende para a
instituição, reforçada pela sua escadaria com visão sobre a avenida. Os
arquitectos do Estado Novo dominavam estes elementos muito bem e até de forma
bela e harmoniosa. Aqui não se soube filtrar a memória e os elementos da
história, traduzindo esta amálgama urbana num design criativo, em vez da
reinvenção abusiva, com a intrusão de um muro. Segundo Aldo Rossi, a cidade
deve reinventar-se para que os cidadãos vivam melhor, dentro de um contexto de
dinâmica urbana equilibrada com a política como escolha. Espaços fluídos
permitem dinâmicas variadas tão próprias das exigências do Homem do século XXI
e será esse o segredo para aquisição de valor, que construirá identidade e memória
colectiva do presente. Temos aqui uma boa proposta funcional e uma desagradável
solução formal. O que correu mal? O anfiteatro é certamente um elemento
positivo, mas ninguém gosta do muro, tendo sido já apelidado com nomes indignos.
A ideia de um todo e de continuidade urbana, falha aqui completamente.
4 - Compare-se a foto virtual
resultante do projeto, apresentada em sessão pública (1) pelo autor do projecto
e a realidade (2) - eu diria que não bate a letra com a careta. O que é que se
passou? Os vila-realenses sentem-se enganados porque não foi isto que lhes
mostraram na simulação que consta na foto virtual. Isto é mau, por mais teorias
que inventem. Fazem-se comparações com a Avenida dos Aliados no Porto, porém,
aquele "laguinho, espelho de água, charquinho para murcões” ou o que lhe
quiserem chamar, implanta-se numa cota inferior ao piso da avenida, o que o
converte numa “volumetria negativa”, não confrontando nada, nem ninguém. Aqui
falha isso, bastaria seguir o exemplo, ou seja, tomar atenção às cotas da
morfologia, para que a volumetria não se transformasse em barreira abusiva e em
impacto desagradável. Para o arquiteto, o muro “é um valor” que esconde “um
segredo” do anfiteatro ao ar livre e cria uma espécie de varanda com vista
sobre a avenida.[1]
Uma varanda deve ter uma personalidade biunívoca, ter vista agradável e ser
agradável à vista... esta não é, é uma experiência sensorial desagradável.
5 – Sobre a reposição do fontanário
da aguadeira, que agora até foi promovida abusivamente a Maria da Fonte, a
mudança de localização retoma a posição original e o enquadramento não
arborizado, assume a forma de terreiro tal como existia antigamente.
6 - O “rego” ou “canal” de água, nem
sei como o deva denominar e apreciar, parece-me invulgar, porém, ridículo,
inicialmente pensava que seria uma linha de vapor para os dias de verão, mas
enganei-me, nem isso, tem pontualmente alguns repuxos, que ainda não vi em
funcionamento. Será a linha de água que se transforma em repuxos mais abaixo? Constituirá
a referência à conduta de água que antigamente abasteceria o fontanário do
Tabulado? Muitos se interrogam se a água é reaproveitada ou não. Expliquem por
favor.
7 – O banco contínuo sugere a
fila de espera da carreira, sem encosto, no alinhamento do canal - pormenores
menores, onde não foco a minha atenção, deixo para a imaginação popular. Ter
muito espaço para sentar é o que interessa.
8 – A substituição da calçada
portuguesa que integra o nosso património imaterial, por placas de granito,
empobrece a cidade, dizem os cidadãos.
9 – Mais pessoas e menos carros:
objectivo conseguido. A circulação condicionada de veículos, que incomoda a
maioria dos cidadãos, valida a política que se adoptou para esta cidade, ainda um
pouco desajustada, mas com uma filosofia de base difícil de contrariar - a valorização
das zonas pedonais, mesmo que nem sempre existam peões, dificuldades crescentes
à circulação automóvel implicando o aumento das filas no trânsito. Este é o
paradigma que resulta da reflexão sobre as grandes mudanças urbanas no sentido
de minimizar os problemas ambientais. Queiramos ou não, isto anda tudo ligado e
soluções geniais ainda não há, mas certamente terão de ser melhoradas as
soluções actuais.
10 – Faltam árvores. Estas
dificultam a organização espacial de grandes eventos, mas reduzem o impacto
solar e beneficiariam a utilização diurna.
Acabem
lá com a escaramuça política em que esta situação se tornou, que será
aproveitada na campanha eleitoral. Não tenho dúvidas que os vila-realenses
invadirão a avenida, criticando ou não, porque estão sequiosos, de grandes
espaços, de convívio e de cultura, e o espaço está lá. São necessárias mais
árvores. É preciso mais estacionamento, sim. É preciso melhorar os transportes
públicos, também. É preciso corrigir situações ao longo da cidade,
evidentemente. Evidenciar os elementos históricos, repor situações e beneficiar
as pessoas, parece-me legítimo e bom. Aparentemente a avenida parece
fraccionada em 5 partes, é necessário explicar o seu fio condutor, a sua teoria
de suporte e corrigir o que foi menos conseguido (Praça Luís de Camões) – assim
se reforçará a nossa identidade.
[1] https://greensavers.sapo.pt/principal-avenida-de-vila-real-tera-mais-pessoas-e-menos-carros-obras-serao-concluidas-em-agosto/
6 comentários:
Todos deveriam ler e reflectir
Esclarecedor. Parabéns.
Muito bem
"Sobre a reposição do fontanário da aguadeira, que agora até foi promovida abusivamente a Maria da Fonte, a mudança de localização retoma a posição original e o enquadramento não arborizado, assume a forma de terreiro tal como existia antigamente." Verificando fotos antiga da localização, ela localizava-se em frente ao edifício do governo civil/esquadra da policia.
Parabéns, Anabela. Ótima reflexão!
Continua assim, activa e crítica. Grande abraço
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