Ser professor
Algumas
profissões têm a sua origem na Antiguidade, é sempre bom estimar esses “pergaminhos”,
mas a acção de ensinar, nasceu antes da Antiguidade; ainda não havia História e
já se ensinava. A oralidade funcionava como canal didáctico, passando
informação aos aprendentes primitivos, sobre algo que se considerava
importante. A transformação da informação em conhecimento baseava-se
frequentemente no instinto de preservar a vida por parte do aprendente e a sua vontade
de se relacionar com o mundo – como fazer fogo, como safar-se de um mamute em
fúria, como caçar, como atravessar o rio...
Mais
tarde, no Antigo Egipto surgem as pessoas já especializadas em ensinar. Em
Esparta a educação (já mudei de palavra) iniciava-se aos sete anos, já com uma
estrutura de aprendizagem, com o objectivo de preparar meninos saudáveis e
transformá-los em jovens guerreiros e, meninas capazes de gerar crianças
saudáveis. Aparece a figura de tutor sem ganhar nada. Os atenienses um pouco
mais preocupados com o equilíbrio entre o corpo e a mente, já estavam num patamar
organizacional mais elevado, considerando o tutor professor, uma profissão remunerada,
que se dividia da seguinte forma: os páidotribés, que cuidavam do
desenvolvimento intelectual; os grammatistés, responsáveis pela leitura
e a escrita; e os kitharistés, que se ligavam ao desenvolvimento físico.
Na
Roma Antiga poderíamos evocar os especialistas em retórica e os lud magister.
No início da Idade média o ensino é remetido quase exclusivamente para as
instituições religiosas e depois surgem as primeiras universidades.
Registo
aqui a minha homenagem ao nosso rei D. Dinis, que tendo uma visão consciente do
núcleo cultural português, e a rede de ligações com a Igreja, sentiu a
necessidade de se repensar conceitos relacionados com o pensamento e a cultura,
com consequência no rumo social, político e económico do nosso país e fundou a
primeira universidade portuguesa, exterior às ordens religiosas e capaz de
sustentar a renovação do pensamento português. D. Dinis incentivou as escolas, valorizou a
ciência e tinha consciência da necessidade de romper com os princípios
ultrapassados da Igreja, obviamente reforçando o seu poder como rei.
Evoquei
o D. Dinis para referir que o ensino e a educação são eixos estruturantes em
todas as sociedades.
Quem
sabe mais, é mais capaz de resolver problemas e contribuir para a evolução da
sociedade. O professor é a principal peça desta dinâmica de ensinar e aprender.
No Japão, o professor é a única profissão que não tem que se dobrar perante o
Imperador, porque a consideram a profissão mais nobre de todas. Por aqui, o
professor para além de ganhar mal, ter vida nómada e dever estar sempre com o
conhecimento actualizado, confronta-se diariamente com as inúmeras falhas da
educação familiar dos seus alunos, que empobrecem a sua acção na Escola, é alvo
de muitas criticas infundadas e injustas sobre a sua acção, perpetuadas pelos
pais dos aprendentes, possui uma tutela que passa a vida a reformar o que já
está reformado (como se vivêssemos num tempo, com pensadores capazes de
inventar teorias pedagógicas todos os anos), saturando a acção do professor com
constantes burocracias, relatórios e planos que ninguém lê, distraindo-o da sua
principal função que é ser agente do processo de ensino-aprendizagem.
Quero
aqui elogiar a paciência e a resiliência dos professores, que pensam mais nos
aprendentes do que neles próprios, evitando conflitos com estes e as suas
famílias, digerindo com dificuldade progressiva, a má educação e ameaças de que
é alvo, minimizando as suas lutas laborais, aceitando a sua progressão lenta,
quase estática da sua carreira, carregando congelamentos nunca descongelados, aceitando
por vezes más condições de trabalho e a prepotência de alguns directores, ignorando as injúrias, de uma parte da
sociedade, dirigidas a toda a classe profissional (por um mau professor, pagam
todos) e tolerando os “achismos” pedagógicos que abundam na nossa sociedade,
por parte daqueles que desconhecem o valor do processo educativo e se demitem
da sua função de pais educadores.
Como
sabemos a educação tem múltiplas vertentes e agentes educativos, onde a família
representa um núcleo muito importante. Como se educa um filho, se estacionam em
sítio errado em frente à escola, se passam no sinal vermelho, se utilizam
asneiras na sua comunicação oral, se criticam o professor, se não colocam o
lixo no sítio certo, se premeiam o seu filho por tudo e por nada, se nunca se
sentaram com ele a ler uma história e a explicar-lhe porque existem os maus e
os bons... se não lhes exigem respeito pela hierarquia familiar? Expliquem-lhes
que os professores são pagos para lhes ensinar e se os aprendentes não se
empenharem, não usufruem da ida à Escola. Expliquem-lhes que aprender exige
esforço e respeito. Cuide das horas de sono do seu filho, porém, não o obrigue a
ir para a cama, com os pais a ver televisão ou a jogar no computador – os exemplos
estão sempre em casa. Sobretudo, pense que a Escola não é um armazém de
crianças.
No
início de um novo ano lectivo, desejo sucesso a todos os professores e lembro
que têm um enorme poder nas suas mãos - um professor pode ser um influenciador.
Acreditem no que fazem e accionem esta competência porque assim poderão mudar o
mundo, sem receios. O professor pode orientar, sugerir, demonstrar, influenciar
de forma positiva para que os seus aprendentes sejam informados, activos, críticos
e capazes de resolver problemas.
Nunca
esqueçam de uma pitada de humor.
Plantem
o pensamento crítico na mente das criancinhas, a responsabilidade, a sociabilidade,
a organização e a liberdade estruturada, conjugando o respeito por si e pelo
outro. Quando a sociedade perceber esta dinâmica talvez respeitem mais o
professor e favoreçam as suas sinergias.
Publicado em NVR, 22/09/2021
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