GÚGÚ… DÁDÁ… o recém-nascido zangado.
Há um vídeo que viralizou na internet
sobre um recém-nascido que exibe um rostinho todo engelhado e as suas primeiras
expressões constam de um olhar forte, um olhar triste, parecendo decepcionado e
zangado com o mundo. Não chora, olha de forma tão séria e severa, que nos
comove e nos obriga a pensar.
A expressão do recém-nascido é tão
impactante que não conseguimos ficar indiferentes, e já alguns cibernautas
pegaram nas imagens para fazer humor. Gilmário Vemba diz de forma irónica num
dos seus reels, que é uma reencarnação, de alguém que disse várias vezes
ter orgulho do bairro onde nasceu, sem ser verdade, e a vida reencarnada
pregou-lhe a partida, fazendo-o repetir a experiência:
“Aquele exacto momento em que achas que vais para o Céu, e
dás conta que reencarnaste, e voltaste para aquele bairro, aquele mesmo sítio
em que dizias que tinhas muito orgulho em ser de lá. Agora mandaram-te de
volta! Não disseste que tinhas muito orgulho em ser daí? e que foi até muito
bom ter crescido aí? Então agora vais viver isso de novo!”
Já muito se falou e estudou sobre o
parto, as sensações da mãe, a depressão pós-parto, a alegria, a
responsabilidade, a mudança, ou seja, uma análise dos que acolhem a criança e
poucos pensam no que na realidade sente a criança, aquele ser humano que nasce
com cerca de 100 mil milhões de neurónios (células cerebrais) e que no primeiro
ano o seu cérebro faz cerca de 1.000.000 sinapses (ligações entre neurónios)
por segundo. Ao nascer, o cérebro de um bebé pesa cerca de 400 gramas, o que
representa cerca de 25% do cérebro de um adulto. Isto é a neurociência a
explicar, mas o que sente o recém-nascido, como ele vê e sente esta nova
realidade? Ainda ninguém sabe explicar.
“Ao quarto mês de gravidez, o feto
emociona-se, angustia-se, constrange-se com as expressões mais rígidas da
personalidade da mãe, alegra-se e aviva os seus ritmos, deprime-se, a ponto de
inibir o seu crescimento (…) bebés demonstram, logo ao nascer, a capacidade de
aprender, desde que existam, à sua volta, emoções e disponibilidade para criar
laços afectivos”
Eduardo Sá.
Sabe-se, que é ainda dentro do útero
materno que o bebé começa a desenvolver capacidades sensoriais como a audição,
a visão, o gosto e o tacto. O feto aprende a reconhecer a voz da mãe, distingue
a luz e engole, antes de nascer e também tem competências interactivas, como
reagir à vida emocional da mãe. “... tudo o que a relação gera (a partir,
inclusivé, da vida intra-uterina) tem uma preponderância essencial no
comportamento dos bebés: a ansiedade maternal, na gravidez, por exemplo, pode
suscitar ansiedade neonatal”, afirma Eduardo Sá. No seu entender, o feto
tem uma realidade mental que “se afirma autonomamente a partir do 5.º mês de
gestação”.
Ou seja, eles nascem e já não são a tábua
rasa que antes se acreditava serem, já possuem capacidades activas. O que
pensarão ao nascer ao perceberem aos poucos sobre quem os acolhe, que sensações
têm, que identidade transportam?
Todos nós sorrimos para um recém-nascido,
tentamos pegar na sua mão, dizemos frases carinhosas e fofinhas repetidamente e
por vezes um pouco ridículas… gugu… dádá… palavras terminadas em “inho”,
caricias, embalos, tentativas de diálogo, este é o papá, esta é a vóvó, gugu…
dádá…tás com fominha? Tás? Kidinho da mamã!
Afinal quem está do outro lado? O que
pensará de tudo isto? Cada vez mais, considero que nascer é um acto heroico. Os
bebés desconhecem a sua família, tudo é uma incógnita, quem será a mãe e o pai,
se serão bem tratados, se lhes matarão a fome, se os protegerão, se lhes darão
banho…, porque os colocam a dormir deitados, quando eles passaram os últimos
meses de cabeça para baixo… Cada recém-nascido tem a sua circunstância, porque
já transportam um passado e percebemos que até para nascer é preciso ter sorte.
Gugu… dádá.
As expressões de tristeza do
recém-nascido, que mencionei no início, são inexplicáveis, comoveram-me e
puseram-me a pensar. Aquele olhar e aquela boquinha dizem-me que não estão
contentes com a situação, nem têm boas expectativas relativamente ao seu futuro.
Publicado em NVR 14/08/2024
2 comentários:
Á parte de se voltar ao lugar onde viveu,ou reencarnação, em tudo o resto também concordo que seja assim.
Grata pelo comentário. Beijinho
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