Mobilidade
Tentando resolver
problemas de mobilidade, realizei algumas obras aqui em casa. Percebo tanto de
electricidade, como de mecânica, assim vou deitando conversa fora com o meu
electricista enquanto ele corta fios azuis, amarelos e verdes, para alterar situações
adaptando-as a novas realidades. Vou mandando os meus bitaites como se
percebesse bué do assunto. Ele coça a cabeça, eu também, ele pára para
reflectir e eu igual, ajudo nas calhas, no puxa-fio de um lado da parede para
se ver do outro e de resto limito-me a fazer acções repetitivas, espelhadas do verdadeiro
operacional.
Normalmente, faço de
conta que esqueci todo o conhecimento que tenho nesta área, quando há problemas
desligo os disjuntores e acendo uma vela.
Os meus cabelos ficam
em pé cada vez que ele faz uma operação sem desligar a electricidade, pois já o
vejo a apanhar um esticão, com cada perna para seu lado e a língua preta de
fora. Tão jovem que ele é, seria um desperdício. É sempre um pesadelo, porque
desconheço como se ajuda alguém quando está electrocutado. É demais para mim.
Detesto ver a minha casa com os interruptores abertos com toda aquela fialhada
ao dispor para atrevidos esticões. Curto-circuitos,
fiação que arde deitando fuminho pelos buracos das tomadas e cheiro a queimado,
deixam-me em pânico. Ele tenta distrair-me.
- Então dona vi-me à
rasca para estacionar. Tive que encostar aqui ao seu muro, em lugar proibido.
Não posso estacionar a carrinha a um quilómetro e vir com as ferramentas às
costas!...
- E como é andar na
cidade com canadianas? Há cada rampa por aí, meu Deus, que só servirão para
capotar cadeiras de rodas.
- Porque é que os defs têm sempre que fazer o
caminho mais longo, quando são eles que tem problemas a caminhar? Já tentou
sair do elevador do estacionamento da Avenida? Parece fácil. Tem um degrau
gigante e uma rampa que apesar de pequena dá para escorregar. Já tive que
ajudar uma pessoa a sair dali. E no Teatro? A porta para o elevador fica virada
para trás, longe do estacionamento. E menos mal que ligam o elevador.
- Com canadianas não
pode estacionar no lugar para deficientes. Tem que ter um sinalizador,
autorizado pelo IMT e só atribuem a quem tem deficiência permanente de 60% para
cima. Nem há autorizações temporárias para quem faz cirurgias.
Percebi que andava bem
informado, conheço todos os casos por experiência própria e ainda adiciono:
- Para ir ao Hospital
tenho que utilizar um táxi e na espera não há bancos.
- A cara de enfado e de
desconfiança nasce nas filas do supermercado quando se apresenta alguém com
problemas motores. É difícil alguém ceder o lugar e a maioria das vezes, é o
segurança que toma a iniciativa para dar vez a quem precisa.
- Moro a 500 m do Centro
de Saúde. É perto, mas são 500 metros, para uma convalescente, parecem-me
quilómetros, ainda agravados com piso executado em calçada portuguesa – o pior
que há, para as articulações. Levei o
carro, não arranjei estacionamento, nem vi lugares para defs, que eu estaria
disposta a utilizar mesmo ilegalmente. Voltei para casa, chamei um táxi. O
taxista ficou furibundo pela corrida ridícula e levou o mesmo preço como se
tivesse atravessado a cidade. Cheguei ao porteiro do Centro e apresentei
reclamação indignada.
- Poderia estacionar aqui em cima em
frente à porta.
- E se chegasse uma ambulância?
- Teria que chamá-la para tirar o
carro.
- E onde o reposicionava?
Há tanto para fazer,
vivo numa cidade pequenina, com grandes problemas e continua-se a pensar
pequenino, dificultando a autonomia de muitos, e eu continuo aqui a tentar
perceber as ligações entre os fios coloridos, fios de terra, ambientes húmidos,
micro-ondas incompatíveis com fornos eléctricos e máquinas de lavar… enfim um
mundo mágico e diabólico que nos proporciona qualidade de vida que não dispensamos.
Publicado em NVR 21/08/2024
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