CONTO DE NATAL
Todos temos memórias.
Memórias boas e
memorias más.
No Natal tentamos
encerrar as más e reencontrar um fio condutor que nos una aos outros, pelo
menos que fortaleçam os nossos laços familiares, mesmo que a rede afectiva se
apresente danificada.
Tento sempre
reaproximar aqueles que se desencantaram com vida e com os afectos.
O humor por vezes é
uma arma estratégica e falar nos assuntos mal resolvidos, por vezes é a
consulta, que não tivemos no psiquiatra e que nos vai fazer bem. Ajudar o outro
a relativizar os dramas das suas vidas aligeira o ambiente, porque há tanta
gente pior do que nós
Este ano é difícil,
mesmo os bem-dispostos, aqueles que lhes dá muito trabalho andar chateados, os
acontecimentos do mundo pesam e é impossível ignorá-los. É urgente pensar que a
guerra não se resolve com guerra, e a fome não se elimina com caridadezinhas, e
cada vez é mais urgente colocarmo-nos no lugar do outro.
O mundo vive um estado
de avanço tecnológico que poderia erradicar guerras, fome e muitas doenças… e o
que fazemos? Guerra e mais guerra: já nem quero saber quem tem razão, quero
saber daqueles que morreram e o sofrimento da parte dos que ficaram. Mais nada.
Esta involução, que toma forma de espiral negativa, incomoda todos, mas não
conseguimos arranjar soluções para parar definitivamente com isto. É este
estado de desumanização que ensombra, este Natal e todos os dias do ano, por
mais hipocrisia que se utilize neste dia, fingindo que tudo está bem.
A ambição, o poder, a
mesquinhez, a arrogância, a prepotência o que valem, perante os lugares que vão
ficando vazios na ceia de Natal? Olhamos os lugares, onde já nem se coloca o
prato, os talheres, os copos e os guardanapos, e sentimos aquele deserto dentro
de nós, disfarçamos uma lágrima e o nosso pensamento voa contra o tempo, mas a
pressão que sentimos no peito cresce, construindo momentos de silêncio, confundidos
com distração, em que tentamos respirar fundo e ir até à janela. Desviamos as
cortinas e fingimos olhar o céu e as estrelas, tentando encontrar Cassiopeia ou
o Cruzeiro do Sul. Nada nos entristece mais do que a felicidade recordada.
Gostaria de jogar ao
rapa, mas também gostaria de ouvir o som de um kisanji entre as iluminações das
ruas, que sobrevivem neste sincelo que nos faz lembrar, que somos tão pequenos
e o tempo voa.
AQuelhas
1 comentário:
Um texto que apela à reflexão.
Feliz Natal
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