No encalço de Espinosa
Confesso que só comecei
a ler sobre Espinosa, na minha maturidade. Foi-me apresentado há muitos anos,
quando estudei Filosofia, talvez a reboque de Descartes, mas depois passei à
frente, porque tinha o mundo à minha espera e eu tinha pressa.
Como nesta vida, nada
se cria e tudo se transforma, José Rodrigues dos Santos apareceu na TV a
apresentar o seu último livro, “O segredo de Espinosa”, e este voltou a ter
lugar na conversa entre leitores. Ainda não li a obra deste autor, apenas registo
mais uma vez a astúcia do mesmo em associar a sua escrita a personalidades de
destaque na História da Humanidade.
Voltando a Espinosa,
pelas palavras de Frederic Lenoir em 2019 “O milagre de Espinosa”, resolvi
reler para poder avaliar melhor a criatividade de JRS, sobre este descendente
de sefarditas portugueses, que abalam para Amsterdam, onde nasce e onde é
excomungado pela Sinagoga Portuguesa por questionar as Sagradas Escrituras.
Procurar saber quem é
DEUS, com sentido crítico, nem hoje é confortável e muito menos no século XVII.
Qual é a verdade sobre Deus? O
que é afinal a natureza? Deus será a natureza? Deus será uma complexa equação
matemática e cósmica? Esta é uma busca proibida e depressa o jovem judeu
descobre o preço a pagar pelas suas perguntas. Os rabinos judeus e os
pregadores cristãos perseguem-no e acusam-no do pior dos crimes: heresia.
Primeiro é afastado da sinagoga, depois tentam suborná-lo. Chegam a propor-lhe
uma renda, para ele não divulgar as suas ideias filosóficas. Espinosa prefere a
pobreza em vez da mentira, mesmo correndo risco de vida. A determinação e força
do pensamento dos Homens é admirável e este jovem é determinado, porém, tem que
tomar cautela, para sobreviver na Amsterdam do século XVII, de muitos canais,
onde facilmente de faz desaparecer mentes livres.
Chegou a publicar
algumas obras com pseudónimo, mas expulsam-no da Sinagoga Portuguesa mediante “HEREM”,
com 23 anos, acompanhado por documento escrito em português. O Herem é o mais
alto grau de punição dentro do judaísmo em que a pessoa é totalmente excluída
da comunidade judaica. Um jovem de horríveis heresias que se recusa a afastar-se
dos “maus caminhos” é o motivo.
Que maus caminhos seriam
esses? Questionar-se sobre Deus, sobre a vida, sobre a morte, sobre a
superstição (esperança/medo), sobre as contradições humanas, sobre a liberdade
e sobre a felicidade – questões triviais, que muitos preferem ignorar,
independentemente da religião, para não ter que enfrentar verdades, nem sempre
confortáveis. A eterna procura da felicidade é consequência provável, devida à
perda brutal dos seus familiares mais próximos, o que o faz questionar
sobretudo a existência de Deus.
Ao ler Espinosa pelas
palavras de Frederic Lenoir, regresso à cidade dos canais, à planta cebola de Amsterdam
tentando descobrir, a rua onde viveu Espinosa, perto da casa de Rembrandt, numa
casa já não existente no bairro judeu, onde agora se localiza a igreja católica
de Moisés e Aarão. O Google Earth é formidável, é o meu recurso para eu
regressar a Amsterdam e rever a rua de Espinosa, em modo século XXI.
Há uns anos visitei a
Sinagoga Portuguesa de Amsterdam com sensação estranha, abstraí-me um pouco da
vertente do Holocausto, e fixei-me mais nos segredos que aquelas paredes
encerram, relacionados com o tribunal de excomunhões, mesmo desconhecendo se
seria o mesmo edifício no tempo do livre-pensador.
O que Espinosa
acrescenta 4 séculos depois? para além de 3 povos que o disputam, Holandeses,
Judeus e Portugueses, a sua racionalidade mantém-se actual, é um pilar básico
do método científico e é uma visão emancipadora do conhecimento.
Te gosto Spinoza,
cidadão do mundo, universalista da razão, defensor da liberdade e da igualdade!
Publicado em NVR 13/12/2023
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