Visitar a
exposição de Joana Vasconcelos "I'm
your mirror", no museu Guggenhein em Bilbau, requer fazer cerca de 590
km por estrada, apenas com uma portagem em território castelhano e várias no
Norte de Portugal. E eu fiz.
Joana de
Vasconcelos gera urticária em alguns artistas plásticos e críticos de arte
portugueses, virando uma artista “maldita”, combatida com Fenistil verbal. Dizem que as suas esculturas são feitas de sucata
e que não têm valor artístico. Talvez seja a arte pimba.
Não percebo
esta antipatia, este cerrar de fileiras em relação a uma mulher que faz
esculturas inesquecíveis, consideradas em todo o mundo, usando uma escala
grandiosa. Torna-se impossível negar o impacto que gera nos observadores.
Não quero
acreditar que esta negação tenha a ver com o aspecto físico da artista. Ser
gorda não é fácil. Quando uma gorda ganha destaque é mesmo por mérito. Prefiro
não perceber do que acreditar neste bullying idiota.
Já vi
esculturas gigantescas de objetos utilitários realizadas em fibra de vidro e
betão, em que os mesmos críticos teceram grandes elogios. Qual é a diferença? A
diferença é que a obra de Joana tem significados e empatias muito mais
interessantes, provocando a tal urticária inexplicável do contragosto ou do
desgosto, acompanhada de sorrisinho IIC (irritante, irónico e condescendente).
Será que irrita o terço de Fátima? O Siza Vieira também andou por lá. Parece
ser proibido unir, o kitsch, o
trabalho artesanal, os objectos utilitários e a criatividade numa postura irreverente
e com algum conteúdo reflexivo.
Ainda por
cima uma mulher grandona, gorda e exuberante, que não encontra a forma certa e
cinzenta de vestir!
Pobre do
Duchamp se tivesse nascido português, encarnando uma mulher gorda ao lado de um
mictório. E Picasso com a cabeça do touro feito com o selim e o guiador de uma
bicicleta? E a mulher de Miró?
A primeira
vez que vi uma obra de Joana foi no museu Berardo e outras se seguiram. Sorri
com o candelabro, tão delicado e feminino, feito de tampões, tão contestado
nesta sociedade falsamente puritana, ou então a escultura com cães que esteve
numa exposição do riso em Lisboa.
O que dizer
do cadeirão Aspirina, o sofá Valium, os sapatos Dorothy, o solitário, a
mascarilha espelho, o helicóptero pluma, as esculturas de Bordalo Pinheiro, o
cacilheiro, o bule, o coração independente, o piano, o cão malmequer, os
mictórios geminados, a pistola Call Center e as Valquírias? Eu aprecio.
Felizmente a
artista revela-se um pouco indiferente às críticas empedernidas e avança. Joana
Vasconcelos, desde 1994, reúne uma equipa, que a ajuda a concretizar as peças
imaginadas, formada por senhoras idosas, que fazem crochet, de costureiros, serralheiros, trolhas, engenheiros e
divulga aspectos culturais portugueses – o azulejo, Bordalo Pinheiro, a
filigrana e a arte popular, que de ouro modo estariam confinados ao nosso
pequeno rectângulo. Acham pouco?
O
reconhecimento internacional chegou com a exposição realizada no Palácio de
Versalhes (primeira portuguesa que ali expôs individualmente), com a Bienal de
Veneza e agora com o Guggenheim de Bilbau (também a primeira portuguesa).
Tenho o
hábito de observar quem observa e sorrir perante as reacções de agrado e
surpresa, completamente seduzida por uma obra de arte. No Guggen, vive-se uma escultura,
por dentro de uma Valquíria gigante, utilizando diversos espaços que o museu
oferece no seu átrio central. Todos os visitantes parecem jovens irrequietos
usufruindo da cor, do tacto quando possível, das texturas dos materiais e da
escala. Conversam, trocam comentários e reforçam verbalmente certos detalhes. O
átrio enche-se e não há vontade para sair dali.
Alguns
consideram que ela é, ou era, a artista do regime. Resta-me apenas dizer que os
governos mudam e a obra dela permanece, transportada de um lado para o outro,
conquistando o mundo. Permanece também no meu arquivo memorizado, envolta em
algum carinho que dedico a todas aquelas mulheres que contribuem para mostrar a
arte no feminino.
Não percam!
Publicado em NVR - 7/11/2018
1 comentário:
Foste aos Bilbas, que inveja. Beijinhos
Ana do Carmo
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