O marketing hipócrita
Sinto-me
ridícula quando saio do supermercado. As compras não são muitas, mas a tira de
papel imprimido na caixa registadora, que resulta do meu pagamento, mede quase
50 cm, dividida em 3 ou 4 partes, de talões e talõezinhos de descontos disto e
daquilo. Deveria sentir-me orgulhosa ou quiçá agradecida?
Há o
desconto da gasolina, o desconto da cafetaria, o desconto da tenda exterior, o
desconto da lixívia e de todos os produtos de limpeza excepto os de promoção.
Há descontos do dia e os descontos com prazo de validade para renovar outros
descontos…
Há uma máquina
na entrada do supermercado que só imprime as senhas dos descontos a que cada um
tem direito, caso me tenha esquecido dos talões em casa, e ainda há os
descontos registados no telemóvel, caso me tenha dado um ataque de fúria e
tenha atirado as senhas amassadas a cabeça da senhora da charcutaria. Aqui nada
falha, as desmemórias não existem, que a entidade comercial está sempre atenta.
Essa máquina
imprime senhas todas seguidinhas, coladas umas às outras, parecendo umas
bandeirolas de enfeitar as árvores de Natal e eu entro no supermercado já a meio
atrapalhada a ter que puxar dos óculos para selecionar 1 desconto entre as 20
senhas que saíram da máquina e que irei utilizar. Sofro do azar em que a
maioria dos produtos que compro, nunca está em promoção. Como não as irei
utilizar poderia oferecê-las a outro consumidor praticando a boa acção do dia, tal
como faço aos tickets do
estacionamento, mas não dá, elas são intransmissíveis. Dá-me a sensação que é
como no euro milhões, se acerto só eu posso levantar a massa. Aí está uma
sensação de segurança dada ao consumidor. Pena que nunca tenha ganho o euro milhões,
aqui também nunca gastei os 20 descontos das senhas.
O que é
ridículo é nós consumidores, acreditarmos que nos estão a dar alguma coisa por
simpatia, gentileza ou por sermos bons clientes. Puro engano, nós pagamos todos
os descontos e todas as promoções, mas mesmo tendo consciência disso, o grande
estratega comercial/marketing inventou
e urdiu uma teia em volta do consumidor, muito eficaz, convertendo-o no seu cúmplice
- as compras do supermercado proporcionam desconto na bomba da gasolina e o abastecimento
da gasolina proporciona desconto nas compras do supermercado, para além das 20
senhas de desconto imprimidas na máquina da entrada: uma verdadeira pescadinha
de rabo na boca, num círculo sem princípio e sem fim. O estratega acabou por
inventar as dependências de consumo e de fidelidade, muito eficazes.
No meu caso,
não entrar no círculo das compras e da gasolina, significa que perco cerca de 7
euros por semana, 28 euros por mês, 346 euros por ano e é esta engenharia de marketing
hipócrita que me agarrou. Sinto-me vulnerável, mas com vontade de rasgar todas
as senhas aos pedacinhos e atirá-los ao ar na entrada do supermercado e subir
para o tapete das caixas e gritar bem alto: Marketing
hipócrita! Fazer o quê? Complica-me com os nervos esta bipolaridade, esta
correria entre a bomba da gasolina e o supermercado. Que cansaço!
Já juntei
senhas para peluches, tabuleiros pirex, copos, tupperware e outros produtos que
não preciso. Quando haverá senhas para fruta, carne, arroz, massa?...
AQ
Publicado em NVR
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