LESLIE
Anunciava-se um Leslie.
Já o nome é daqueles que se enrola
na língua, que só mesmo os germânicos acham belos. “I love you, Leslei…” credo‼! a língua enrola-se 3 vezes!
Voltando ao furacão, as imagens
cartográficas apresentavam uma mancha que avermelhava nas zonas de perigo.
Nas redes sociais, durante o dia,
opinavam que havia falta de informação.
As pessoas gostam de drama, de
sangue, de conto e reconto da tragédia e precisam de tempo para se preparar
para ela. Não basta publicitar a imagem digital a avançar para a costa
portuguesa. É preciso mais. São necessários debates de quem não percebe nada de
furacões para equilibrar ou fazer pendant
com os senhores da meteorologia.
Os mirones circulavam pelas zonas
marítimas à espera do mar revolto, para viver experiências únicas com muita
adrenalina.
Enviei uma mensagem a um amigo que
vive em Cascais: “Vê se te seguras, para
não levantares voo tipo papagaio de papel. O Dumbo tinha as orelhas grandes,
mas tu…”
Na TV não havia drama suficiente.
Alguns canais até dividiam o ecrã para multiplicar a desgraça, mas os
repórteres, aqueles do salário mínimo que aguardam a pequena catástrofe,
aguentavam-se em pé e apenas o cabelo esvoaçava, anunciando unicamente pequenas
brisas e não a aragem ciclónica Leslie vinda do Atlântico.
Leslie anuncia um mulherão genioso
que pode armar “barracos” imprevisíveis. Começa a ser difícil competir com as
trombas de água tão frequentes ao longo deste verão, que arrasam a agricultura
com bolas de gelo, amolgam viaturas, inundam as ruas arrastando tudo e que
ficam sem baptismo, quase anónimas para sempre.
Outro amigo reclamava sobre a falta
de pessoas na rua no final do dia. Caraterizando o furacão como mediático. Eu
apelidei-o de furacão fofinho.
Mais tarde percebi que o dito cujo
direccionava-se para Trás-os-Montes, depois de fazer uns
"estragozitos" no litoral, especialmente na Figueira da Foz e em Aveiro.
Resolvi ficar em casa, agradecida
pelo meu minimalismo existencial. Vivo dentro de um caixote de betão, sem
grandes vidraças, sem toldes, sem guarda-sóis, sem árvores, sem arbustos, sem
floreiras, sem acrílicos nas varandas e outros penduricalhos que na primeira
oportunidade, ganham asas e voam. Preocupo-me apenas em arrumar o Smart dentro da garagem, colocar uma
mini lanterna no bolso e fechar as janelas – precauções que se concretizam em
poucos minutos.
Passadas umas horas, o furacão
fofinho resolveu deitar as unhas de fora - as aparências sempre iludem. A minha
casa parecia a casa assombrada do monte dos vendavais. Vários assobios se
formavam a partir das portas de entrada, garagem e ainda as condutas de
ventilação. Parecia que estava dentro de um instrumento de sopro a ser tocado
por um elefante. Uns barulhos chegavam da chaminé, começando eu a pensar que
tinha virado ser vivo.
Avisei na net: “Se virem um apetrecho, para não chamar geringonça, a voar, não é a
passarola de Gusmão, nem um skylab qualquer, já sabem é a minha chaminé. Por
favor avisem-me para eu proceder à recolha.”
Resposta: “Passou aqui há pouquinho, julguei que era a Maga Patalójika montada
numa vassoura.”
Balanço do dia seguinte: quase 2.000
ocorrências, 27 feridos ligeiros, 61 desalojados, 324 400 pessoas sem
electricidade e 200 linhas de alta/média tensão fora de serviço. Leslie dum
raio!
AQ
Publicado em NVR
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