Eu docente me confesso
Não caí no mundo da docência por
acaso, decidi ter uma vida profissional ligada à arquitectura e esta só se
completava com algo mais. O mundo do projecto, a intervenção urbana activa, o
pensamento e análise crítica do território, a construção, os materiais de
construção e a interacção com os clientes, precisava de algo que articulasse
outras áreas artísticas, que sempre fizeram parte mim e no mundo da
arquitectura eram muito secundarizadas ou até esquecidas.
O ensino surgiu como a oportunidade para preencher esse espaço e dar-lhe brilho, que não sendo sobrante, era paralelo
a outros. Nunca quis ensinar geometria descritiva, porque rigor e raciocínio
abstracto era o que eu tinha que chegasse e sobrasse, como arquitecta. Eu
precisava de tudo que compunha a área das artes visuais para alimentar
experiências relacionadas com o desenvolvimento artístico dos jovens,
estivessem eles na fase das operações concretas ou na fase das operações
abstractas. Tinha ainda muito presente a minha experiência liceal, reconhecendo
a importância do balão de oxigénio do Desenho, para a formação da minha
personalidade observadora e criativa. Eu queria proporcionar experiências
semelhantes a outros jovens, que estão naquela idade, que não sabem o que
querem, rebeldes, inconvenientes e sobretudo de mente aberta para o mundo,
potencialmente criativos dentro de armários que nem sempre se abrem. Precisava
disso para não estagnar, para me sentir rejuvenescida, colorida diariamente e,
por outro lado, sentia que poderia exercer uma boa influência nas mentes em
formação, levá-las a realizar experiências marcantes, enriquecer o seu interior
e facilitar a exteriorização do mesmo, reduzindo-lhes a agressividade - fazê-las
gostar de arte.
E foi assim, a minha formação
académica deu-me parte do suporte do conhecimento científico, e foi necessário
adicionar pedagogia e formação contínua, para depois poder navegar no mundo do
ensino das artes visuais com felicidade e criatividade. Detesto repetição; o início
de cada ano lectivo, foi sempre um recomeço e exigia de mim, tudo, como se
fosse a primeira vez. Nunca propus os mesmos temas de trabalho, e assim, até
para mim, cada ano era único e novo, o que me rejuvenescia e motivava. Recorri
com frequência a auto-formação, dei por mim a investigar na área da psicologia
e da neurociência e devo ser dos poucos professores, que incluem assumidamente na
sua formação contínua, visitas a museus e exposições – saber o que os outros
fazem, enriquece o meu caminho e reflecte-se nos meus alunos.
Tive alunos mais ou menos criativos e
todos sempre obtiveram um estímulo positivo para avançar e nunca rejeitar
trabalhos. Sempre souberam que com uma pequena ajuda se consegue converter um
trabalho, em melhor trabalho, não sendo necessário deitá-lo ao lixo.
Também andei de mala às costas, e
sofri todos os problemas que esta carreira vem absorvendo ao longo dos anos,
tenho o meu registo biográfico cheio de greves, animei-me com conquistas,
decepcionei-me com derrotas e tentei sempre ser a almofada dos meus alunos.
Infelizmente, atravessei uma zona
turbulenta e verdadeiramente cinzenta – quando os ministros entenderam
transformar a Escola numa fábrica, como se 1 kg de carne tivesse de dar
obrigatóriamente 20 croquetes. Fui obrigada a seguir o meu caminho, adoptando
práticas nem sempre aquelas que me exigiam, para proteger a aprendizagem dos
meus alunos, arriscando a ter a direcção, colegas e até pais contra mim. Há
momentos que é preciso dizer NÃO. O sistema obrigou-me a aplicar fichas
diagnósticas, que eu recusava e esquecia logo a seguir, porque nunca quis criar
expectativas sobre os meus alunos no primeiro dia de aulas. Sempre assumi que a
avaliação em arte é subjectiva e sempre escrevi mais, do que apliquei as fichas
excell tão endeusadas por alguns. Defendo que um aluno nunca desaprende
e por isso a avaliação deve ser contínua, verdadeiramente contínua, aquela que
vai corrigindo a anterior. Acreditei sempre que as principais estratégias de
sucesso são o envolvimento do aluno na aprendizagem, a ampliação ou reforço da
sua auto-estima e o sentido de humor do professor, para converter a aula num
espaço em que o tempo passa rápido.
Com muitos e muitos anos de prática
profissional e já no limite do exercício, penso nos meus alunos de várias
gerações. Sinto-me realizada por ter sido referência para muitos deles. Gosto
de os reencontrar já inseridos no mundo do trabalho e perceber que pertenço à
vida deles. Sinto-me sobretudo grata, porque sem eles, não teria criado engenho
para gerar equilíbrio e motivação para ter sucesso em outras tarefas da vida.
Publicado em NVR 11/09/2024
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