50 anos de “maus hábitos”
Foram 50 anos de “maus
hábitos” e isto desassossega-me.
A maioria dos
portugueses já nasceu e cresceu em cima de uma almofada de cetim, ergonómica e
perfumada chamada democracia, convertendo, inconscientemente, conquistas em
hábitos, como se as conquistas democráticas fossem um dado adquirido desde
sempre, não concebendo piores condições de vida, nem uma sociedade
claustrofóbica, sem respeitar homens e mulheres, e quem pensa diferente. Parece
que se esqueceu tudo e não se aprendeu nada. Esqueceu-se de que muitos já
experimentaram outro regime político, esqueceu-se a miséria, o analfabetismo,
as prisões e as desigualdades sociais. Também não se aprendeu que a democracia
é um ideal, algo que se constrói, e que cada um tem o direito de ambicionar uma
vida melhor, permitindo-se usar um dos pilares da democracia que é a
possibilidade de protesto e de luta, por uma sociedade cada vez melhor e mais
justa para todos.
O desconhecimento das
conquistas e a não valorização dos principais pilares da democracia levou àquilo
que denomino por “maus hábitos”, onde até o acto de votar parece ser um
verdadeiro aborrecimento para alguns ou que transformam o protesto em opção política,
enveredando por caminhos esconsos.
A malta que hoje tem
problemas, e que são muitos - emprego, saúde, habitação, educação e segurança -
pensa que antes era melhor, e não era! Aceita a abordagem desses protestos
através de discursos mal-intencionados, ideologicamente carregados por
intenções que podem corroer os pilares da democracia.
Foram 50 anos de “maus
hábitos”. Destacar os defeitos e esquecer as qualidades deste exercício da
democracia é má pedagogia.
Vemos a Europa aqui ao
lado, deslumbramo-nos com tudo, temos a justa ambição de viver melhor e lutamos
por isso, porém, no processo não pode valer tudo.
Há um “vírus” mundial
que ataca e, infelizmente, ataca onde calha, que se chama corrupção, mais
visível nuns do que noutros, mas sempre condenável, sempre a colocar calhaus no
caminho da democracia e da cidadania. Condeno, desprezo quem faz, mas quero
evidenciar que os críticos mais ferozes, depois vai-se a ver, andam a meter
cunhas para arranjar trabalho para os filhos, andam a meter cunhas ao médico, ao
vereador, ao professor, ao polícia, ao fiscal, tentam safar-se da multa do
estacionamento, abusam do SNS, não declaram todo o seu rendimento, inventam despesas
para o IRS, criam fontes de receita clandestinas, recebem subsídios para isto e
para aquilo, as grandes superfícies de alimentação inventam pontos e talões de
descontos, publicitam produtos sem IVA e outras “engenharias” financeiras.
Há também uma vaga de
fundo de egoísmo, estruturada na falta de solidariedade, onde cada um se quer
afogar num mar de individualismo extremo, desprezando o outro, o seu conforto e
os seus direitos. Esta vaga segue redes sociais, e partilha de opiniões que
subestimam os valores conquistados em Abril de 74. Não querem Estado, mas não
sobrevivem sem ele.
- Desde que eu esteja
bem, os outros que se lixem!
Hoje é urgente repensar
tudo e valorizar o que temos. A democracia tem que se tratar como um filho,
valorizando as qualidades, e superar defeitos sem fazer grande estardalhaço e
sem tomar medidas radicais que o poderão prejudicar e bloquear definitivamente.
É preciso responsabilizá-lo pelas suas decisões, entre as quais votar de forma
consciente e informada.
É preciso lembrar ou
dar a conhecer, que vivemos todos muito melhor do que há 50 anos. Alguns
desconhecem esta realidade. Os mais jovens que perguntem à família, como
viviam, como se divertiam, como eram os cuidados de saúde, se passaram fome, se
tiveram bodas de casamento, se viram alguém descalço, se iam a festivais e a discotecas,
se tinham roupa de marca, se jantavam com os amigos, se tinham telefone, se
tinham médico de família ou hospital, se os avós tinham férias, se existiam
Mcdonald’s e centros comerciais, se todos frequentavam a escola e quantos acediam
à universidade, se tinham quarto de banho, se tinham cidades de chão limpo…
tanta pergunta que haverá a fazer. Façam-nas! Perguntem o que eram as calças de
costura no rabo aberta que usavam as crianças – esta é a imagem icónica do “antes”.
Preparem as lousas para substituir os tablets!
A alternância
democrática é saudável e é preciso reflectir para que não se ultrapasse o
intervalo democrático da alternância.
Um partido não soube
ser oposição, não conseguiu segurar o seu eleitorado, nem recorrendo ao baú
cheio de mofo e teias de aranha; o outro não soube ler correctamente a
narrativa de sucessivos protestos, deixando-se seduzir por uma maioria
enganadora; o PR fala, fala, mas tem uma família que também não aprendeu nada e
não se aguenta à bomboca. Sobram os activistas ambientais, aqueles que
continuam a tomar banho quentinho com água aquecida numa caldeira a gasóleo, a
mascar chiclete, a consumir tofu embalado em plástico, a calçar sapatilhas
contrafeitas e a viajar nos aviões low
coats, e que agora não fazem mais nada além de borrar tudo de tinta verde. Triste!
Cartão vermelho para todos. É urgente regar e adubar os cravos e já agora
pensem no ridículo da bola interromper um programa sobre eleições.
Após 3 dias das
eleições, ainda se desconhece os valores totais das votações e já vem a
herdeira de Belmiro de Azevedo apresentar os lucros Sonae de 2023, proferindo
que os resultados eleitorais são como um “grito de mudança” e logo contesta o pagamento de imposto sobre
lucro excessivo. Com 357 milhões de lucro (nem faço ideia o que isso é),
contesta 1,3 milhões de euros de pagamento de imposto sobre o lucro excessivo,
representando 0,36%. Eu consultei a tabela de IRS onde me insiro e constato que
a taxa menor é de 5,9% para quem ganha uns míseros 935€ mensais.
Para quem é ingénuo ou
perdeu o Norte neste mar difícil da democracia, feito de calmarias, tempestades
e armadilhas, aqui está um bom retrato sobre uma das grandes mudanças que
significa votar à direita.
Publicado em NVR em27/03/2024
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