Viver melhor depois dos 60, significa trabalhar?
Não consigo ficar passiva perante
aqueles que defendem que se deve adiar a idade da aposentação, porque a
esperança de vida aumentou, e é preciso conferir qualidade de vida aos mais
velhos através do trabalho.
Apresentam-se argumentos financeiros
disfarçados e algumas ratices para ver se a coisa pega. Apela-se à vida
saudável, à mão-de-obra experiente e especializada, ao saber desperdiçado, às
aspirações e à realização pessoal /profissional depois dos 60, desenvolvendo o
conceito de que trabalhar dá saúde e faz crescer.
Penso que querem fazer de nós totós!
Querem fazer crer à malta que os aposentados ficam sentados numa cadeira
pasmados para o infinito, e isso deve-se a não terem trabalho, horários,
responsabilidades e a não darem o corpinho ao mundo laboral.
Tadinhos dos velhinhos que não lhe
permitem uma realização profissional após os 60 anos! Durante mais 40 anos de
trabalho, não se realizaram, mas depois dos 60…
Este discurso altamente tendencioso e
demagógico é vergonhoso e ofensivo. Estes peritos em envelhecimento, não se
preocupam com os problemas dos trabalhadores na vida activa – se são bem
remunerados, horário semanal respeitado, estabilidade no emprego, competição saudável,
salários pagos a tempo e horas, gratificações, progressões nas carreiras, pausas,
respeito pelas mulheres grávidas, formação e outros assuntos do mundo laboral
pouco focados e respeitados, mas depois dos 60, os indivíduos no trabalho, estariam
em condições para lhe comerem a pele, a chicha e os ossos. Haja vergonha!
Na idade da aposentação, em Portugal
tardia, as pessoas querem descansar, não ter grandes responsabilidades, não ter
horários para cumprir, fazer o que lhes apetece e ter uma aposentação que lhes
permita ter uma final de vida despreocupado e de qualidade.
Esperança de vida maior não significa
que o ser humano deixou de ter problemas de saúde. A maioria, a partir dos 60,
tem problemas físicos e aqueles que tiveram uma vida profissional activa, mesmo
activa e desgastante, chega aos 60, arrasada. Sabemos que os idosos não são
todos iguais, por isso a generalização é perigosa.
Quem lava escadas durante 40 anos,
quer continuar a trabalhar?
Os trabalhadores da saúde, a fazer
horários irregulares, a tratar sempre de doentes, com grandes níveis de stress,
querem continuar?
Os policias com a vida em risco
diário, querem continuar?
Os professores que tentam educar os
filhos dos outros durante 40 anos, de mala às costas numa parte da sua
carreira, sendo alvo frequente de má educação por parte de alunos, querem
continuar a trabalhar?
Os empregados de café, cozinheiros,
todo o dia em pé, os primeiros a aturar as esquisitices dos clientes e os segundos
todos os dias a cheirar a alho, óleo fula e a estrugido, querem continuar?
Os agricultores, sempre dependentes
do tempo e dos agentes atmosféricos, todos os dias a cavar a terra, querem?
Os lixeiros, os advogados, os
militares, os operários, os arquitectos, os pescadores, os motoristas…
independentemente da profissão, há um desgaste progressivo e saturação, incompatível
com as condições físicas que se vão degradando.
Morremos mais tarde, mas morremos
doentes. A medicina, felizmente, evoluiu, mas a carcaça é a mesma, ou seja,
agora é possível estar doente mais tempo.
Curiosamente, os que defendem o
trabalho para os idosos, são pessoas com vida activa muito passiva, passam pelo
mundo do trabalho de forma confortável e pouco stressante. Ir trabalhar é como
ir tomar café, nem se questionam se os jovens precisam entrar mais cedo no
mundo do trabalho e auto-avaliam-se por excesso, sobrevalorizando o seu saber e
a sua experiência, não percebendo, por vezes, que o tempo deles já passou e que
estão desactualizados a fazer figurinhas deprimentes. Há algo denominado
voluntariado, para onde podem ir dar o litro, porém, não queiram arrastar os
outros para este caminho.
Sobre aposentação considero 3
questões:
- Os 60 anos deveriam ser a idade
limite ou 35 anos de descontos;
- É urgente criar a longo prazo um
plano sério de sustentabilidade do sistema que contrarie aposentações tardias;
- É fundamental apoiar a 3.ª idade ao
nível do conforto e da tranquilidade – contrariar e condenar todo o tipo de
violência contra idosos, criar lares com boas condições e acessíveis para
todos, assistência médica gratuita, apoio domiciliário, formação, criar
oportunidades para viajar, conviver e, obviamente, para quem quer trabalhar
mais, poder fazê-lo desde que isso não crie vícios no mundo laboral,
nomeadamente reduzindo oportunidades de trabalho para os mais jovens. O
voluntariado referido atrás também é um cenário possível, mas perigoso dentro
de certas circunstâncias, quando se transforma em mão-de-obra gratuita.
Vivemos uma sociedade com exigências
crescentes sobre os indivíduos. Descansar passou a ser considerado um obstáculo
ao sucesso. Os momentos de lazer entram nessa lógica: existe uma pressão para
se diminuir o máximo possível do tempo livre em todas as idades e a aposentação
é algo que complica esta lógica sombria do que é viver, desumanizando-nos.
É urgente democratizar o ócio. Isto
já era tema nas sociedades gregas e romanas antigas. Para Platão e Aristóteles,
“o ócio era visto como condição necessária para que alguns, designadamente os
filósofos, pudessem, livremente, dedicar-se à procura da verdade, encarada,
essa, sim, como “prática” autenticamente nobre.” O ócio não pode ser associado ao tédio, à malandrice, à
depressão, à inutilidade e ao vazio. Penso que não há registo de que o ócio
tivesse sido causa de eventual exaustão e, por esse motivo, dando origem a
qualquer tipo de síndrome de Burnout!
Deixem viver os idosos como querem,
sem pressão, sem compromissos e sobretudo abram-lhes portas para novos voos,
novas oportunidades, novos saberes, para o mundo da criatividade, sem
interferir no mundo do trabalho e facilitem a convivência com a família e com
os amigos, de forma DIGNA e HUMANA.
Os idosos são mais frágeis, mas não
são tolos! E se eles quiserem ser pasmados e inactivos, têm o direito de o ser.
Respeitem a sua liberdade e conforto!
Publicado em NVR 07|02|2024
5 comentários:
Assertiva, como sempre! Excelente artigo! Parabéns! 👍👌🤗
Obrigada Ana. Beijinhos
É verdade, chegamos aos 60 a arrastar o corpo cansado, a perna que dói, o joelho que não dobra, as costas com hérnias…enfim.
Que trabalhem os políticos, esses sim vivem frescos como as alfaces, sem rugas aos 70 anos. O único problema deles é ficarem senis e amnésicos.
Continuo a ler-te à quarta-feira. Parabéns.
Adília, só quer trabalhar quem tem vida mansa.Beijinho
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