Estávamos a tentar resolver o problema de umas canalizações cá em casa. O meu interlocutor é um homem que vai resolvendo problemas destes a quem eu vou solicitando sempre que a máquina de habitar resolve avariar sem aviso prévio. Conhecemo-nos há alguns anos e vamos conversando durante o trabalho. Por vezes rimos, de situações caricatas ou porque eu mando umas broeiradas no ramo das canalizações, propositadamente, para aligeirar trabalhos complexos e nem sempre bem cheirosos.
Ele
sabe de todas as fofocas da Bila, conhece meio-mundo e uma parte do outro e
acho-lhe piada, porque a conversa flui fácil e quase sempre bem-humorada, mas hoje
o diálogo foi ensombrado por uma nuvem cinzenta.
- Oh
sra. arquitecta, como é ter a sua idade?
- É
mau e bom, todos os dias dói alguma coisa, mas desvalorizo muitas situações,
penso sempre que depois da tempestade virá a bonança e rejeito tudo o que me
aborrece para depois tentar ser feliz todos os dias. Seria melhor voltar a ter
20 anos e saber o que sei hoje, para não cometer erros que cometi e não gastar
tempo com pessoas que o não mereciam… mesmo assim, é melhor chegar à minha
idade do que ficar pelo caminho. Chama-se a isto experiência de vida.
-
Tenho andado tão cismático, sou mais novo que a sra. arquitecta, mas os
cinquenta anos põem-me velho e isso não me sai da cabeça.
Fiquei
surpreendida, pareceu-me que o optimismo deste colaborador cedeu à depressão.
Ele não estava bem. Precisava de conversar.
- Até
andei na net e percebi que a maioria dos suicídios dos homens são na minha
idade.
Fiquei
cada vez mais preocupada e fui perguntando, se tinha algum problema de saúde,
financeiro ou familiar.
- Vivo
bem com a minha filha e tudo está bem com ela, mas ando com uns pensamentos sombrios.
Tentei
conversar aligeirando o seu desconforto, com aquela racionalidade que nos podem
recolocar no alinhamento da vida e com uma pitada de humor.
- É
religioso?
-
Quase nada?
- Se
acredita em Deus e na vida após a morte, tem imensa sorte, porque se pode
projectar em 2 vidas, e sabe que a outra lá estará à sua espera, portanto não é
necessário ter pressa, quanto mais tarde melhor, vamos ganhando experiência
nesta.
- E não
acreditando?
- Se
não acredita, então só tem esta vida para viver, e é melhor não a desperdiçar,
porque depois da morte nada existe, é o vazio. A vida é feita de coisas boas e
más, ignore as más, viva cada momento, como se fosse único, e tente aproveitá-lo
o melhor possível. Não desperdice tempo com pessoas que não merecem, e pense
que vivemos, com ou sem companhia, num sítio espectacular. Sabe-se lá se o Céu da
religião tem só nuvens e nuvens, sempre de dia ou sempre de noite? Como
cheirará por lá? Pelo menos aqui temos variedade de sítios e de gentes, o que é
desafiador, portanto é melhor aproveitar o sol, a chuva, o frio. Se tem um
desgosto de amor, aprenda a dar valor a si mesmo. Nós somos sempre a nossa
melhor companhia. Todos nós temos a mania de colocar sempre os outros em
primeiro lugar, mas tudo tem limites. Nós nascemos sós e morreremos sós, no
intervalo da vida também devemos aprender a gostar de nós e pensarmos muitas
vezes em nós, em primeiro lugar. E não é pecado, nem censurável. Se não
estivermos bem connosco, não poderemos estar bem com os outros. Aprecie a vida,
faça aquilo que gosta, ofereça um bom presente a si mesmo. Se tiver dinheiro,
facilita. Olhe à sua volta, veja como o mundo é grande, e nós estamos aqui
metidos numa cozinha a limpar um sifão, como se o mundo fosse este lava-loiças.
- A
sra. arquitecta fala bem e com razão, por vezes nem sabemos porque andamos
chateados.
-
Falar com alguém é sempre bom. Viver é tão bonito, vou recomendar-lhe uma
coisa, sempre que possa vá assistir ao maior espectáculo do mundo.
- Como assim? Onde?
- Vá assistir ao pôr-do-sol. Escolha um bom sítio virado para o Marão ou no curso do rio Douro. É diferente todos os dias, sinta como é grande o Universo e tem oportunidade de assistir a toda essa grandeza, gratuitamente. Drama, drama é estar doente, ou ir comprar covilhetes quentinhos e já não haver, ou um dia o Sol cansar-se e desaparecer pelo tubo da canalização, o resto, é o resto.
- Eheheh a sra. arquitecta tem cada uma!
7 comentários:
Considere-se um homem de sorte Sr canalizador, não é sempre que se tem um conselho da Sra arquiteta de como aproveitar a vida e sabê-la viver.
Ahahah Adília. Ele também é uma excelente pessoa com grande sentido de humor. Mas a vida, tem altos e baixos. Beijinho
A Sra.Arquitecta errou na profissão, devia ser psicologa e edificar vidas.
Pat, não errei não. Para se saber criar espaços para as pessoas viverem, é preciso estudar também as pessoas.
Beijinho
Muito bom 💖💖. Gostei especialmente dos covilhetes no meio desse discurso tão motivacional. Beijinho 😘
Muito obrigada, anónimo. Bj
Excelente texto
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