… A paz, o pão, habitação, saúde… educação…
Andamos a navegar neste refrão de uma música do
Sérgio Godinho há quase cinquenta anos, de olhos vendados, ouvidos tapados e
boca fechada.
Agora estamos com pouca paz, Zelensky pretende cada
vez mais armas, o pão está caro, porém variado, pão biju, da avó, de água, de
beterraba, de girassol, de alfarroba, da aldeia, brioche…, com pouca habitação,
com um SNS a precisar de melhoramentos urgentes (assinale-se que antes nada
existia,… qual serviço nacional de saúde, qual carapuça!), e na educação
estamos com os professores descontentes, porque se sentem desvalorizados,
explorados, exaustos e em vias de extinção e com o ministro ocupado a destruir
a Escola Pública.
Sobre a falta de habitação, em 50 anos ainda não se
conseguiu criar estratégias capazes de resolver o problema. Parece-me que balizam
uma guerra entre os inquilinos coitadinhos e os mauzões dos senhorios, um
confronto regulamentado por legislação completamente incoerente, que não serve,
nem uns, nem outros, e o Estado de fora a ver e a sorrir.
Esquecem-se as políticas de desenvolvimento social
inexistentes, esquecem-se do crescimento desordenado das cidades e os
territórios especulativos permitidos e, esquecem-se de que vivemos num país onde
os sucessivos governos não investem onde é necessário e viraram completamente
este país ao Turismo internacional. Logo após Abril, resolveram-se muitos casos
problemáticas com associações de moradores, e cooperativas de habitação, no
entanto, [há sempre um no entanto], esvaziando progressivamente as zonas mais
antigas das cidades, atirando os moradores para as periferias. No centro das cidades ficaram os escritórios,
os bancos na época áurea, e a habitação cara. Fecharam-se lojas, todo o
paradigma ligado ao comércio alterou-se profundamente. Já se esqueceram?
Até que o centro das cidades começou a cheirar a
mofo, a ratos e a degradação. Inventou-se a publicidade do turismo, “Passe as
férias em Portugal”, lembram-se dos grandes vídeos promovidos nas feiras de turismo? Incentivou-se
o alojamento local, felizmente, os centros históricos sofreram um refresh, à
base da desinfecção, limpeza, muito pladour e algumas alterações estruturais.
Mudança que não agrada a muitos – primeiro eram os ratos, falta de iluminação,
a decadência, agora porque fazem barulho e falam outras línguas. Para mim é
melhor ter centros históricos renovados e vivenciados, do que abandonados.
Há quem pense que os proprietários deveriam ser
obrigados a fazer obras, e tal, e tal. Os que usam esta retórica, desconhecem
que cada caso é um caso, e cada proprietário tem um perfil, alguns deles estão
bem na vida, com dinheiro para investir, mas são cautelosos nos seus investimentos, porque o mundo do
imobiliário tem solo pantanoso, é perigoso e cheio de truques e armadilhas, com
muitos negócios obscuros pelo meio e rapidamente um rico, pode transforma-se
num pobre cheio de dívidas; também há proprietários completamente falidos a
viver ao nível de pobreza dos inquilinos pobres. Investidores que viviam das
suas rendas de imóveis alugados antes de 70, viram essas rendas congeladas há
50 anos e hoje, depois de muitas considerações e decretos leis podem estar a
receber por um andar bem localizado no centro de uma cidade, uma mísera renda
de 50 euros.
Mas há pessoas que não têm casa!!! A minha geração,
para ter habitação ou economizou, ou com ajuda da família, comprou propriedade,
e outros com apoio de um empréstimo bancário, para a vida toda, comprou também
e os problemas aligeiraram.
Hoje os portugueses entre os 20 e os 40 anos não
querem casa própria. E por quê? Têm mau-feitio, não querem responsabilidades?
Evidente que não. As políticas deste país permitem que a maioria destes
portugueses têm trabalho precário, conhecidas pelas gerações dos 700, recebendo
anos e anos, ordenados mínimos e ainda mais, sem poiso certo. Temos cidadãos
sem perspectiva de futuro, que são mão de obra barata e flutuante, impedidos de
investir em soluções de habitação permanente, com compromissos a longo prazo.
Esta situação torna visível o problema camuflado ao longo dos anos. Os jovens
de hoje contam também com outras circunstâncias, viajam mais, fazem mais vida
social, os valores alteraram-se e a estabilidade familiar pode não o ser.
Divulgam-se medidas, Programa Mais habitação,
mal estruturadas, para ocupar a comunicação social – é urgente esconder as
greves dos professores e as manifestações, oferecendo-se outro tema de
discussão, fácil de absorver a atenção dos media, porque não deve haver uma
família deste país, que não tenha este problema nas mãos – são os filhos que
não conseguem arrendar uma habitação e que continuam em casa dos pais, agora
com mais 1 ou 2 elementos, que são os (as) companheiros (as) e nos casos mais
complexos, os netos. O programa Mais
Habitação foi tirado da cartola, de forma inesperada e sem medir
consequências, fazendo aumentar, a desconfiança de proprietários e autarquias,
pondo em causa o crescimento do turismo e ameaçando o investimento estrangeiro.
Sem confiança não há mercado de arrendamento.
Afinal em que ficamos, querem turismo ou não?
Exigem-se arrendamentos coercivos. Alguém se convence
que os potenciais senhorios vão investir na construção de imóveis, sabendo que
terão renda condicionada? Todos os proprietários gostariam de ter os seus
investimentos reconhecidos e valorizados, com legislação clara que permita
navegação segura…. Obviamente que ninguém anda aqui para perder dinheiro, porém
os senhorios não têm que resolver o problema da habitação em Portugal. Eles
pagam impostos, eles fizeram as suas poupanças, pagaram os empréstimos, se os
houve, e não tem que ser pais e mães do Estado. É isto a propriedade privada. Os
senhorios não possuem nenhum compromisso com o Estado Português, nem com os
portugueses. A falha está no próprio Estado!
Uma parte da população, com menos recursos, vive em
condições habitacionais indignas, e isto exige boas soluções da parte do Estado
e não dos privados. Parece que precisamos de 50.000 habitações/ano …ouvi dizer
que os únicos que vão lucrar com estas novas medidas, são os advogados, e eu
acredito.
Salários baixos, juros altos e casas caras! Acordaram
agora? E agora? Sérgio Godinho anda a dizer isto há 50 anos.
Para terminar, apresento números, e depois cada um que pense o que quiser. A habitação social e o parque habitacional - Portugal com 2,5%; na Holanda com 30%, na Áustria com 24%, Dinamarca com 20%, Suécia com 19%, França com 17%.
Publicado em NVR, 12/04/2023
4 comentários:
Excelente texto!
Obg Ana
Clara e assertiva. aplauso, leio tudo o que publicas.
Abraço top
Grata, Tiago.
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