O painel de Júlio Pomar no Cinema
Batalha
Júlio Pomar (1926–2018)
foi pintor reconhecido, com obra de destaque, de acção polivalente, na pintura,
cerâmica, desenho, escultura, gravura e escrita. A sua formação artística
passou pela Escola António Arroio, Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e
do Porto afirmando-se na pintura neorrealista.
Foi um dos fundadores
do MUD, Movimento de Unidade Democrática e preso pela PIDE antes de completar o
mural do Cinema Batalha, com o tema da festa popular de S. João. Em 1963 mudou-se
para Paris, contactando com novos movimentos das artes plásticas e ficou por lá
resguardado do fascismo, até 1974.
Segundo a informação
que recolhi, Júlio Pomar com 20 anos iniciou a obra deste mural, em 1946, no
ano seguinte foi preso, por ordem da polícia política, entretanto, o cinema foi
inaugurado com as pinturas inacabadas. Só no final de 1947, quando foi
libertado, é que teve oportunidade de as terminar. Um ano depois, a PIDE mandou
cobrir os painéis com tinta.
Visitei esta semana o Cinema
Batalha, recordando o tempo em que frequentava a sala de cinema, nos finais dos
anos 70, agora interessada em ver a renovação do interior do cinema e muito especialmente,
o mural concebido e pintado por Júlio Pomar em 1946, coberto com tinta, a mando
de Salazar / PIDE.
Lembro-me, quando
entrei pela primeira vez naquele cinema, alguém referiu este episódio,
informação transmita pela família portuense de um amigo, que frequentava a sala
de cinema nos anos 40, e que se ia perdendo um pouco na memória dos portuenses.
Visitei apenas o painel
maior, achei-o muito bonito, delicado, suave, localizado no foyer principal do
edifício, sendo possível observá-lo em vários níveis. Na minha primeira
abordagem tentei identificar a foice e o martelo, tal como existem no painel em
alto-relevo da autoria de Américo Braga, localizado no exterior do edifício,
que justificasse a decisão da PIDE. Sem sucesso. Percebi um desenho figurativo semelhante
às figuras robustas que constam na obra de Picasso (Mulheres na praia) e também
algumas semelhanças a desenhos de Álvaro Cunhal, evocadas por quem me
acompanhou. À partida reconhecem-se pormenores inofensivos da festa popular de
S. João, deduzindo-se que o problema não foi o tema, mas sim o autor
anti-fascista, portanto, foi claramente um problema político e uma reacção de
vingança sobre a obra plástica.
Depois de várias obras
de conservação deste cinema, sempre permaneceu a ideia da impossibilidade de
recuperação do belo painel, até que uma nova equipa especializada conseguiu
localizá-lo, após destruir 7 camadas sobrepostas de tinta, possibilitando assim,
o início do restauro, já após o falecimento do pintor.
A minha visita
converteu-se num momento especial. Tentei disfarçar a minha emoção, perante
este testemunho patrimonial, artístico, simbólico e político, diluído nas
minhas memórias de permanência naquele foyer, a olhar uma parede vazia, nos
intervalos do cinema, a fumar um SG filtro e a dialogar sobre o tema cinéfilo,
não imaginando sequer a presença destas figuras modernistas sufocadas por
camadas de tinta, de um regime que conseguiu prolongar as suas amarras por mais
50 anos, aproximadamente.
Muitos portuenses consideram
este edifício o monumento à estupidez do regime fascista, que considerou esta
obra perigosamente revolucionária e comunista. Para além dos frescos e do
alto-relevo já mencionados, ainda há que referir os puxadores das portas, cujo
design baseava-se nas letras CB (cinema batalha) e que as identificavam com
Comité Bolchevista.
Aconselho a visita, por
enquanto gratuita, e quem estiver mais a Sul, não esqueça, Atelier Museu Júlio
Pomar, Rua do Vale, nº 7 em Lisboa.
(Diário de viagem –
09/02/2023)
Publicado em NVR 15/02/2023
Sem comentários:
Enviar um comentário