Negociação em marcha lenta
No futebol, qualquer jogo é escalpelizado
ao mínimo detalhe. É isto todas as semanas. É isto todos os dias. Estratégias,
monitorizações, resultados, falhas, negócios, clubes, temporadas, jogadores,
treinadores, contratos… o Rui Costa, o Enzo, o Conceição, o cartão vermelho, o
Ruben Amorim. Horas e horas são ocupadas com este tipo de informação.
A Educação, pilar de todas as
sociedades, na comunicação social, é quase um não assunto. O tempo destinado na
TV para professores conversarem e debaterem os problemas da Educação, reduz-se
ao mínimo, excepto quando alguma coisa abana fortemente o Sistema. Quando um
professor consegue explicar lúcida e claramente o que se passa na Escola, ou
quando se pretende debater com rigor as propostas do Ministério de Educação,
tudo é trancado em tempo limitado, quando a Educação deveria ser um tema pertinente
de ligação à sociedade portuguesa. Sabemos mais sobre os problemas do Brasil,
do que sobre este icebergue que emerge na nossa sociedade. Não interessa
informar os portugueses.
O PR tenta virar a opinião pública
contra os professores em luta, o que revela que não entendeu o que, na verdade,
se tem passado nas escolas nos últimos anos, nem percebe, ou não quer perceber,
que este movimento de protesto surge pela primeira vez de forma espontânea. Os
professores já conhecem essa velha estratégia utilizada em outras situações; esgotaram-lhes
a paciência, e nada mais será igual, a partir daqui. Finalmente, os professores
não querem saber se o sindicato A, ou B, estão com eles, ou não, e também não
querem saber da opinião do PR. Os professores saturaram-se e esgotaram a sua
obediência e fidelidade canina e continuarão a levar os seus problemas à rua,
enquanto não forem resolvidos. Como temos verificado, isto já não é uma questão
financeira, é de facto uma questão política. Porque dinheiro, os portugueses já
perceberam que há a rodos – mal utilizado, mas há.
O PS nunca perdoou aos professores, o facto de estes nunca terem engolido a Maria de Lurdes Rodrigues, nem o seu modelo de avaliação made in Chile, e continua a seguir uma conduta passivo/arrogante, nada condizente e assertiva com a filosofia socialista. Chamar-lhe-ei uma “birrinha” que se sustentava na condescendência dos professores e no seu espírito de missionário, que foi evoluindo ao longo destes anos, até estourar.
Os professores protestam e fazem
greve. Os sindicatos, cada um a seu jeito, tentam negociar com a tutela, porém,
não dá para esconder que a negociação, por culpa do Ministério, segue em marcha
lenta, pondo a nu a grande incompetência deste. Onde já se viram reuniões
semanais? E sem nada formalizado, limitando-se, eu diria, a discutir “o sexo
dos anjos”. O Ministro parece que ainda não percebeu quem tem do outro lado. Os
sindicalistas andam nisto há muito anos e não se deixam seduzir com magia de
números e retórica verbal, muito menos, no momento presente. Em vez de estudarem
propostas com racionalidade e rapidamente, atiram-nos com os serviços mínimos. Se
pensarmos bem, quem está em serviço mínimo, é o próprio Ministério.
Quando a sociedade portuguesa
estabilizou, após Abril, anos 80, tivemos uma Escola “Normal” e supostamente democrática,
onde tudo parecia correr bem, com uma Área Escola e mais tarde, de Projecto,
que indicava o caminho para o sucesso, combatendo a exclusão e o insucesso. A
seguir houve um Golpe de Estado, com uma Ministra a impor uma Escola de
Evidências, onde a avaliação gastava mais tempo, do que o ensino e a aprendizagem;
depois tivemos uma Escola Fábrica, onde tudo se registava em folhas de excell, inserida
numa lógica de produção de salsichas, ditada por inspectores e diretores: muita
carne controlada ao minuto, produziria obrigatoriamente muitas salsichas iguais.
Tudo bem controlado, avaliado, com provas, exames, rankings, orientados por
metas de aprendizagem. Seguiu-se para a Escola Tecnológica, mas Displicente, a
escola com muitas nomenclaturas, projectos e medidas, para no final saírem
perfis, onde se aposta que, com pouca carne, e professores mal pagos e
roubados, se produzirão boas salsichas, cuja qualidade ninguém testa, sem
programas obrigatórios, sem exames, onde dá menos trabalho passar alunos, do
que reprová-los. Neste meio tempo, os professores mal pagos e roubados, viraram
heróis; em 3 dias reinventaram-se tecnologicamente (em casa, com a sua
internet, com os seus computadores e sem horário), para estarem com os seus
alunos on line durante a pandemia COVID, a custo zero para o Ministério. Agora
temos a Escola Armazém. A Escola passa a ser o depósito de crianças onde lhes
dão o almoço, ou seja, a escola assistencial e caridosa. Não interessa se não têm professores desde o
início do ano, se os professores fazem greve, o que interessa é que as crianças
e jovens estejam alimentados e vigiados. Quanto aos professores, os mesmo do ecrã
do computador da época COVID, estão na rua a protestar, porque estão fartos de
fazer salsichas e de serem humilhados. O Ministro aguarda que eles se cansem, e
voltem a fazer salsichas ainda melhores do que antes. Aparecerão novos projetos
e novas recuperações de aprendizagem para lhes moer o couro e os impedir de
pensar e lutar.
Não quero querer naquela teoria que defende
que aos políticos não lhes interessa ter uma Escola Pública de qualidade,
porque alunos mal preparados, irão transformar-se em futuros cidadãos a ganhar apenas
o ordenado mínimo e sem capacidade de protesto. Não quero querer, mas a minha
convicção começa a ficar abalada.
Fica aqui um alerta para os pais.
Publicado em NVR 08|02|2023
2 comentários:
Como se aos pais lhes interessa-se se as suas pequenas salsichas aprendem muito ou pouco, ou se têm ou não professores. O que interessa é ficarem fechadinhos na escola até ao fim do dia, almoçarem, terem suplemento de alimentação, ou seja, barriguinha cheia até à hora de voltarem para casa. De segunda a sexta-feira, vira o disco e toca o mesmo.
Adília
Infelizmente parece ser assim. Beijinho D. Adília.
Enviar um comentário