Mais uma vez na rua
O protesto atípico, desproporcional e radical que preocupa o sr.
ministro da educação, resulta de sucessivos ministros incompetentes, de anos e
anos de paciência e tolerância por parte dos professores, perante desgovernos e
malfeitorias.
100? mil profs estiveram em Lisboa em protesto e desta vez fora de
controlo da Fenprof, orientados pelo pequeno sindicato liderado por André
Pestana. Felizmente tudo correu bem, porém, esta atipicidade de uma classe
profissional agir na rua, sem controle é algo que deve ser estudado em diversas
vertentes. A espontaneidade resulta de
um cansaço generalizado dos professores em relação à orgânica negocial entre
sindicatos e sucessivos ministros. Se
por um lado os professores/sindicatos tentam dignificar e melhorar a sua acção
profissional obtendo algumas victórias, por outro, os génios que estão no
ministério, vão complicando a vida de todos. É necessário reivindicar muito,
para obter pouco, sempre foi assim, mas agora o mundo muda rápido e isso exige
que as respostas aos problemas sejam também mais rápidas. Andamos nisto há 15
anos. Embarcamos num retrocesso guiado pela Maria de Lurdes Rodrigues, que
nunca mais parou, para que afirmasse orgulhosamente que perdeu os professores,
mas ganhou a opinião pública.
O ministro segura-se na razão de falta de oportunidade desta
manifestação e greves sucessivas em tempo de negociação e na legalidade das
greves, a Fenprof, cautelosa, tenta manter neutralidade para que não a acusem
de falta de ética sindical, focando-se na negociação e nas lutas já anunciadas,
e os profs saturados vão para a rua e prometem voltar.
As lutas, para além das cotas, da progressão nas carreiras que já
ninguém acredita, da recuperação do tempo de serviço “roubado” e esta questão
da municipalização que me parece muito mal contada pelo ministro, existe a luta
pela Escola Pública de qualidade. Os professores têm sido uns fantoches ao
sabor das sucessivas reformas/projetos emanados do ministério da educação desde
a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, implicando um crescendo de tempo dedicado
a burocracia sem efeitos directos na aprendizagem. Para mim recuavam-se 15 anos
e começava-se tudo de novo, com um projecto sério e realista, libertando
horários de professores para poderem refocar a aprendizagem e as actualizações
científica e pedagógica, inerentes à profissão.
A sociedade não percebe quando falamos sobre o aumento da burocracia.
Quando se explica ficam perplexos porque as narrativas, teoricamente, sugerem
que seriam para melhorar a aprendizagem, porém, não é isso que acontece. Os
profs precisam de planificar, articular, participar, colaborar, supervisionar,
monitorizar, avaliar, reflectir, e criar sinergias para finalmente ensinar com
o mesmo horário de sempre. É um
desgaste, cada ministro que surge, surgem novos procedimentos documentais. Não
se avaliam práticas anteriores, iniciam-se novas práticas e novos projectos, novas
grelhas, com designações diversas e que em nada melhoram a aprendizagem –
ocupam tempo, gastam neurónios e paciência.
Nas escolas deveria haver um cargo de leitor de actas, porque elas são
tantas e tão extensas, que o director não dispõe de tempo para ler tudo,
adicionando-se grelhas e mais grelhas, planificações, planos de recuperação, medidas
de inclusão: universais, selectivas e adicionais, definidas e implementadas com
base nas evidências, em função das necessidades educativas dos alunos, rumo ao
sucesso educativo garantido… (será?)
Os professores revelam uma paciência infinita, segurando a Escola Pública
em todos os momentos, apesar de todas as pressões e a falta de condições
existentes, continuam a ensinar, a educar, a motivar os alunos para estar na Escola,
e temos a prova recente, da sua dedicação total à Escola e aos alunos, durante
a pandemia. Deveríamos reflectir sobre o que diz Santana Castilho, Paulo
Guinote e Rui Correia (teacher prize Portugal 2019) convidados televisivos no
dia 14 e que os timings televisivos nunca permitem, que aprofundem o que pensam
e que apontem soluções. Todos os portugueses que não percebem bem a nossa luta,
ficaram a perceber o mesmo. Magoa a falta de consideração pela profissão, a
desconfiança constante e o massacre burocrático resultando de políticas erradas
sobre a arte de ensinar. Enquanto o futebol for mais importante do que a
educação, continuaremos neste charco.
Depois, ”porque as greves dos profs desorganizam a sociedade, e
deveriam ser previsíveis e sem danos.” Querem o quê? O ministro vai intimidar
(já começou), fará pequenos ajustamentos nas cotas e virará os pais contra os
professores, através de comentadores demagogos, daqueles que dizem que a breve
prazo, os trabalhadores serão contratados ou não, dependendo se têm os filhos
na escola pública ou privada, porque não estão para levar com as repercussões
das greves dos professores.
Publicado em NVR, 18/01/2023
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