JOSÉ SARAMAGO
Nesta semana comemora-se o centenário
do nascimento do nosso Nobel da Literatura. Comecei a ler Saramago há muitos
anos. Estreei-me com a Jangada de Pedra uma obra fácil de ler, uma
ficção que me fez sonhar e converteu-me definitivamente em Ibérica, devido ao
seu significado mais profundo, que me levou ainda jovem a diversas reflexões
geografias e geo-estratégicas. A imagem de uma península à deriva, converteu-se
numa utopia que me divertiu imenso, atribuindo ao autor capacidades
excepcionais no mundo da criatividade. Pensei que nunca mais o queria perder de
vista, porque nele “apostaria todas as fichas”.
Depois todos falavam de um livro
sobre o Convento de Mafra e comprei logo a seguir Memorial do convento e
outras obras se seguiram. Sobre esta obra, fui particularmente sensível e
curiosa, porque ao nível da arquitectura sempre me impressionaram construções
gigantescas e esta abordava a sua construção numa outra perspectiva, nomeando a
massa humana e anónima que o construiu para cumprir a promessa do rei. Com esta
obra percebi que no passado, quanto maior é a grandiosidade de uma obra de
arquitectura, maior é o esforço do povo, a miséria e a fome. Anos mais tarde,
quando visitei S. Petersburgo, percebi definitivamente a revolução Russa de
1917. Nas grandes obras havia sempre estes dois lados, em que a “escravidão” é
ofuscada e até tolerada, mediante o fascínio da monumentalidade, a escala
desumana e tanto rebicalho dourado. Foi assim nas pirâmides do Egipto, e
continuou.
A leitura dos livros de Saramago,
gerava partilha de opiniões entre mim, uma das minhas irmãs e o meu pai. Para
além da qualidade da escrita, ficou em mim essa aproximação afectiva de três pessoas
que saudavelmente opinavam sobre as obras de Saramago. A minha maturidade foi
crescendo pontuada por algumas obras que se iam publicando e com esse diálogo
literário caseiro.
É bom quando acabamos uma obra e
sentimos necessidade de ver a listagem das obras que o escritor já escreveu.
Com Saramago foi assim. Melhor ainda, é querermos ter todas as obras na estante
e ir lendo conforme apetece. Algumas ainda não li, mas irei ler.
O Evangelho segundo Jesus Cristo, foi condenado pela Igreja católica
e Saramago foi impedido, pelo governo português, de concorrer a um prémio
europeu; Cavaco Silva e Sousa Lara, apresentaram-se como a parelha retrógrada
da arte de escrever. A igreja e estes dois, esqueceram-se que há muitos crentes,
que possuem outra visão da figura histórica de Jesus e todos os questionamentos
são possíveis, por algo que aconteceu há dois mil anos. Talvez tenha sido o
melhor marketing que Saramago poderia ter. Passou a ser ainda mais conhecido
com este boicote cultural – a alavanca do lápis azul – e Saramago partiu
para Lanzarote com a sua Pilar, não estando para aturar estes políticos
incultos.
Em resumo, penso que teremos 39
obras, que abordam diversos temas, Prémio Camões e Prémio Nobel. Em 2010 a sua
obra estava traduzida para 42 idiomas. Como disse Pilar, quando um autor é
famoso fica conhecido por uma ou duas obras, Saramago é conhecido por muitas
obras. Os leitores de Saramago sabem o que estou a referir. Qual é a melhor
obra? São tantas!
Alguns leitores afirmam desagrado pelo
sucesso de Saramago, justificando-se que ele escreve em mau português, sem
pontuação correcta, sem vírgulas, sem regras…. A sério? Nunca reparei!… Aliás
tudo é muito relativo, uma arquitecta no passado, é agora arquiteta, que até me
confrange ser isso, porque nem tenho, nem aprecio. Esta justificação rota e esfarrapada, quanto
a mim, chama-se alergia por ele ser comunista assumido. Lobo Antunes ainda mais
criativo, talvez o que ultrapassa mais barreiras linguísticas, é inofensivo,
quando muito chamam-lhe aluado e louco.
A literatura é um arte,… mal da
arquitectura, da pintura, da música, e da dança se não existisse Le Corbusier,
Picasso, Led Zeppelin, Isadora Duncan… Felizmente são às centenas, os artistas
que rompem com a tradição, com as regras e com os limites. Pensem bem, se esse
argumento fosse válido, os pintores não teriam feito mais nada, depois de
Leonardo da Vinci e de Miguel Ângelo.
“A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos
capazes de viver.“
José Saramago
Publicado em NVR, 16/11/2022
1 comentário:
Muito bom. Essa descrição é fabulosa.
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