Lá voltei ao concerto dos Xutos. Há
cinco anos porque seria o último do Zé Pedro, e agora, porque queria ver os
Xutos sem o Zé Pedro. Todos os motivos servem. Desta vez já ia mentalizada
sobre quem encontraria na linha da frente, os cinquentões da praxe, vestidos de
preto, de cabedal, capacete no braço, muita tatuagem, muita pulseira de couro,
muito attaché, camisola caveada, com o pelame a espreitar, por trás dos músculos
cada vez mais flácidos... a idade não perdoa! não sou só eu que tenho gordura a
mais!
Vesti de preto como todos dias, pendurei
no pescoço e no meu pulso, duas metades de lenço tabaqueiro, por ser situação
especial com apontamento de noite transmontana, sapatilhas e muito entusiasmo.
Deixei a família junto a Gomes, e
como sempre acontece, fui sozinha para a frente. Em falta de espaço, com muito
aperto, sempre é melhor circular sozinha, é mais fácil decidir por onde escapar
e muito mais fácil fazer ceninhas deprimentes, como saltar ao ar e cantar com
voz de cana rachada. Foi noite quente em dia escaldante, com cheiro a combustível,
a borracha no asfalto e muita cerveja. Conforme avançava para o primeiro anel,
ziguezagueando, por aqui e por ali, seguindo os pequenos vazios desenhados pela
multidão, ia aumentando a tendência para as cabeças roll on e odor de
sovaco, quando cruzavam os punhos sobre a cabeça.
Senti saudades do Zé Pedro.
E saio agora
E vou correndo
E vou-me embora
E vou correndo
Ja não demoro
E vou correndo pra ti Maria
Enquanto ouvia a Maria, ia pensando
na nova escala do centro histórico, que nesta noite, foi pequeno. Uma avenida
grande acolheu os fãs dos Xutos como um grande abraço – vejam a fotografia
aérea. Vi as pessoas à varanda, um pequeno pormenor de cidade pequena novecentista,
a casa Diogo Cão testemunho calado e encerrado de vários séculos a observar a
vida dos Vila Realenses. Pensei nos internados do Hospital da Luz a ter alucinações
com tanto som, pensei nos velhinhos do Lar Hotel, a não atinar a aplicar as
gotas nos olhos, pensei sobretudo que me apetecia estar sentada, junto ao tribunal
se o auditório estivesse implantado conforme a morfologia do sítio, isso sim,
seria a noite perfeita. Possa, virem o auditório ao contrário! Tenho esta mania
da união e rejeito a separação. Gosto mais de unir do que separar. Muros, só
por uma boa causa.
Quase no final, chegou uma mensagem
no telemóvel:
- M@e, ainda demoras?
Publicado em NVR 13/08/2022
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