Cheguei vinte minutos antes da hora marcada. Em vinte minutos entraram e saíram sete pessoas para serem interrogadas por dois senhores, que se assinam como Drs (falta saber de quê). Fazendo contas, em vinte minutos despacharam sete pessoas, e isto dá três minutos aproximadamente por cada pessoa, manifestamente insuficientes, para alguém se inteirar do estado de saúde do outro. Estes senhores são mais rápidos do que tirar sangue da veia!
Há relatórios para mostrar, exames para observar, questões para reflectir,
conclusões para avaliar. Estão ali dois indivíduos retirados de algum conto de
terror de Allan Poe, que em três minutos conseguem reavaliar tudo o que nos fez
padecer por meses, com vários ou o mesmo diagnóstico, apoiados por médicos de
família e médicos especialistas, que diagnosticaram, apontaram soluções e nos
apoiaram várias vezes ao longo de meses. Estes senhores para além de avaliarem
o que outros já avaliaram, com mais tempo, rigor e paciência, preenchem
papelada, têm tempo para ser antipáticos, prepotentes, reclamar contra nós, pôr
em causa os documentos que apresentamos, o profissionalismo dos seus pares, a
nossa dignidade e seriedade e dar-nos sermões, como se fossemos uns bandidos,
falsificadores e com cadastro. São três minutos que provam que o tempo é muito
relativo e nos fazem mergulhar em situações perfeitamente kafkianas.
Chegou a minha vez, entrei numa sala dividida ao meio, com um grande
painel acrílico anti-covid, dos maiores que eu já vi, com dois senhores
sombrios do lado de lá, sentados nas secretárias e eu do lado de cá, em pé, com
uma mão ainda sem mobilidade, sem cadeira e sem sítio onde pousar o casaco, o
guarda-chuva e a pasta de onde teria que retirar vários documentos, com uma mão
pouco sensível e sem destreza.
Os relatórios leram-se em diagonal,
não quiseram ver exames, questionaram muito sem qualquer lógica,
indirectamente chamaram de incompetentes e trapaceiros a quem me atendeu no
Hospital em situação de emergência, e eu, na urgência desse hospital, com uma
mão ao pendurão, cheia de dores, deitada numa maca, três horas à espera que me
engessassem um braço, os joelhos inchados e doridos, a face com dois hematomas,
tive a ousadia de desconhecer a lei e como se preenchem correctamente formulários, para satisfazer o ego daqueles
dois. Sugeri-lhes que pegassem no telefone e ligassem para o Hospital e ao médico
que me atendeu e tratou, para lhes chamar incompetentes e lhes ensinar a lei.
Não leram relatórios, folhearam sem olhar, focando-se apenas na intenção de me
minimizar e achincalhar.
- Assine aqui! - plasmaram um papel em cima de uma das secretarias
batendo na mesa e através de uma pequena abertura do acrílico. Normalmente
todos assinam. Eu disse que só assinava se tirassem a mão sobre o cabeçalho
para poder ler o que iria assinar. Levantaram a mão, indispostos.
- Não vê que lhe prolongamos a baixa!!! – parece que eu ainda teria de
agradecer… e indicaram um pequeno rectângulo, onde eu deveria assinar. Voltei a
explicar sobre a minha motricidade fina afectada e portanto não conseguia
assinar dentro do rectângulo.
- Faça uma assinatura qualquer, uma rubrica! – ripostaram impacientes.
- Não. Eu devo assinar parecido com o Cartão do Cidadão, e é assim que
assinarei. Portanto, vou sair do rectângulo, porque não consigo escrever letra
pequena. A assinatura saiu do rectângulo, naturalmente, enfurecendo-os.
Saí e da ombreira da porta, virando para o corredor de acesso, oiço um
DA-SSSEEE!
Interpretei
este DA-SSSE da forma mais leve e tolerante, seria talvez DA-SSSE para esta que
nos fez gastar mais de três minutos!
Na segunda entrevista, disseram-me que me podia sentar. Desta vez havia
uma única cadeira, dentro do espaço vazio do utente.
Eu procurei a cadeira que estava encostada à parede oposta ao acrílico,
à distância de cerca de mais de três metros. Dirigi-me à cadeira e tentei pegar
nela para a aproximar do acrílico.
- ALTO!!!! NÃO MEXA NA CADEIRA! FIQUE ATRÁS DA RISCA VERMELHA!!! Gritou
um dos homens cinzentos que se assina como Dr. ESTA GENTE PENSA QUE O COVID ACABOU! - Foi
assim que fui acolhida, de forma agressiva e autoritária, atrás de uma linha
vermelha pintada no chão a dois metros e meio de distância ao acrílico.
Fui escolhendo os documentos que deveria apresentar, por cada
documento, levantava-me e aproximava-me do acrílico e entregava, depois voltava
â cadeira, escolhia outro documento e voltava a levantar-me e entregar junto ao
acrílico.
Começou o interrogatório dos homens cinzentos, questionando-me em
simultâneo, deixando-me confusa e irritada, porque não tenho a mesma capacidade
de responder também em simultâneo. Mais uma vez, papeis incorrectos, devia ser
assim ou assado e eu já com ideias turvas, a passar-me do limite da minha
paciência, desejando que os três minutos terminassem rápido, receando não
segurar a minha boa educação. Bastaria uma reacção minha menos boa, uma palavra
mal escolhida e aquele fluxo neurótico daqueles seres cinzentos e sombrios,
iria converter-se num rio tresloucado, comigo a disparar em todas as direcções,
desconhecendo o final deste diálogo pouco dignificante. Mais um papel para
assinar, colocado na abertura do acrílico, em que eu assinei pensando que seria
apenas um papel para regressar ao meu trabalho. Assinei sem ler, só queria sair
dali para fora, temendo que excedessem os três minutos da praxe do atendimento
e da minha tolerância.
Tive que reaprender a escrever, a desenhar, a efectuar manualidades que
exigem rigor extremo, porque tinha a motricidade fina afectada. Tive alta
condicionada. mas, impedida de carregar pesos, é isso que está escrito no
papel. Em nenhum relatório dos meus médicos, constava que não podia
carregar pesos. Eles não distinguem um arquitecto de um estivador!!!
Saí.
Desta vez, portei-me melhor e tive sorte, não ouvi nenhum DA-SSSE.
Adivinhem onde fui, quem são estas figuras sinistras que parecem
retiradas da repartição das finanças no tempo da outra senhora?
O que é que a ADSE pretende com isto? Formulários recopiados milhares
de vezes, mal estruturados, fora de tempo… porque agora temos o digital. Alô!!!
temos digital onde toda a informação poderia ser vertidal!! Alguém pensará que
eles detectam quem está bem ou mal? Aqueles dois merecem zero de credibilidade
porque são maus profissionais, atendem mal, não dedicam o tempo necessário ao
utente e prestam um mau serviço a todos. Que especialidade terão para poder
avaliar todas as áreas da saúde? Sabem mais do que um psiquiatra, mais do que
um ortopedista, mais do que um cardiologista. Perfeitamente ridículos. A nossa
vida anda gerida por estes inúteis e imprestáveis, mas a culpa não é deles, a
culpa é de quem lhes paga o salário e dos utentes que permitem tanto ultraje.
Estes senhores são demoníacos, jogam com a incapacidade dos sinistrados, com os
seus limites, com as suas dores físicas e da alma, que os impede de ser
reactivos. Como se reclama se não se consegue escrever ou não se sabe escrever?
Veremos o que se irá passar na próxima vez. Tenho o braço e a mão curados e
estou cheia de paciência para escrever…
(Deu em programa na TV. Todos dizem o mesmo, não sou eu que sou
implicativa. É uma vergonha, um desrespeito pelos profissionais de saúde e
instituições que tratam de acidentados e doentes. É uma verdadeira afronta para
quem se encontra fragilizado. Ultrajante! A última entrevista foi a 31 de Maio
de 2022, que gerou o pânico por eu aproximar a cadeira, claro que sempre de
máscara e mãos devidamente desinfectadas. Isto não é segurança anti-Covid, é mesmo
má educação, arrogância e incompetência.)
3 comentários:
As juntas da ADSE são desde há muito um absurdo. Hoje está tudo digitalizado. O RSN tem tudo o que é exame e nota clínica. Mas o sistema arcaico que usam para as Juntas, atrasadas no tempo, marcadas arbitrariamente, servem só para justificar o horário daqueles anquilosados médicos que se prestam a fazer por meia dúzia de tostões.
Jota, obrigada por explicares.
Além de não servirem para nada, ainda fazem gastar dinheiro aos pacientes ou à ADSE, visto que temos que nos deslocar ao Porto ou a Lisboa.
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