Tatoo
Ainda
não consegui fazer tatuagens. Decidir por algo tão definitivo, perturba-me, já
que tenho consciência, que vivemos num mundo em mudança permanente e rápida e
eu, mudo ainda mais rápido do que o mundo.
A
tatuagem parece ser um relato de vida, utilizando como meio de expressão, tinta
aplicada num suporte vivo, a pele humana. A sua origem perde-se no Antigo Egipto.
Na civilização ocidental moderna
chega-nos através dos marinheiros ingleses, os lobos-do-mar, com as suas
aventuras registadas em forma de monstros marinhos, esqueletos, caveiras,
testemunhando a sua coragem e bravura, até ao ponto de resistirem a marcas
violentas realizadas propositamente sobre a pele. Esta forma de expressão
aparece nos sítios que estes marinheiros frequentam, normalmente tabernas,
prostíbulos, pensões baratas e passa a conectar-se negativamente, como uma
opção marginal.
Só
no final do século XX é que a tatuagem ultrapassa as barreiras do preconceito e
passa a ser símbolo de rebeldia, ousadia e de contestação, seguido de registo
de vanguarda do mosaico de identidade personificado de uma faixa juvenil e
finalmente adoptado como opção de expressão subjectiva de homens e mulheres com
mais idade. Começa com a marca da guerra colonial, que muitos gravam antes de
partir, “amor de mãe”, “Amo-te Gabriela”. “Comandos na Guiné 1967/1969” e
hoje assume contornos artísticos conhecidos como Tattoo.
O
desenho narrativo utilizado é legível pelo próprio, e também pelos outros, atrevendo-me
até a afirmar, que a leitura dos outros é mais frequente do que a do próprio,
já que se converte em presença constante na comunicação visual. A tatuagem que
efectivamente tem uma mensagem, pouco ou nada significa para o receptor, “O
outro”. “O outro”, o que lê? Lê uma área da pele, que contém um desenho nem
sempre esteticamente criativo, com uma linguagem que nem todos entendem, nem
querem entender, devido à matiz pessoal. Comparo uma tatuagem ao código de
barras que alguém possa a imprimir na pele, ao tele-texto a passar na nossa testa,
ou seja, uma exposição da intimidade de cada um, como se vestíssemos um manto
da nossa verdade imutável, numa época em que todos querem preservar a sua
intimidade, proteger os seus dados e a sua imagem. É no mínimo contraditório.
A
maturidade permite-me reflectir um pouco sobre as consequências, porque está mais
do que provado, que este pormenor atrapalha por vezes as perspectivas de
trabalho dos jovens, e que com o andamento da vida, deixamos de gostar das
mesmas coisas e aquilo que foi sobrevalorizado numa época, não tem qualquer importância
na outra, levando ao arrependimento sobre o acto.
Começa
sempre pela aplicação de um pequeno símbolo escolhido em catálogo, porque a
imaginação não dá para mais, em local especial, que fica em destaque e depois
torna-se quase viciante cobrir a pele com outras divagações pictóricas, já mais
bem pensadas, numa geografia inestética inconsciente e frequentemente em
desiquilíbrio entre a figura e o fundo. Seja qual for o suporte, a arte
equaciona diversos parâmetros, que poucos sabem equilibrar.
Alerta:
em 2016 existiam 60 milhões de tatuados no mundo, entre os 18 e os 35 anos em
que, 7,5 milhões estariam seriamente arrependidos de se ter tatuados. Uns, por
motivos de saúde - complicações resultantes de infecções, irritações crónicas e
queimaduras, efeitos a longo prazo no seu sistema imunológico, ausência de
condições ideais para realizar radioterapias e outras terapêuticas impossíveis
de prever – outros, porque já não se identificam com aquelas marcas da pele,
que viraram a sua sombra eterna.
O
número de pessoas tatuadas cresce, esta postura virou moda, e os serviços de
remoção com laser, nem sempre bem-sucedidos, crescem também, registando o
descontentamento de muitos, deste acto altamente agressivo para a nossa pele.
Este
vínculo inapagável, pode também representar não amar o nosso corpo, distraindo
a visão com a ilusão gráfica.
Eu
detestaria olhar diariamente para um grafismo ou um símbolo, que passados anos,
eu quero esquecer e não lembrar, composições gráficas que adorei antes, e hoje
acho obsoletas e ridículas. Andar vestida sempre com a mesma roupa, para mim, já
não é bom, e deprime-me, mas ter uma roupa interior que nunca conseguiria
despir, seria traumatizante, pouco sensual e pouco poético. Seria transportar
grilhetas a prenderem-me continuamente ao passado, não me permitindo evoluir
como pessoa e viver a dialéctica do meu mundo interior, sempre em contínuo
desconforto, limitando a minha liberdade. O meu corpo será sempre uma tela
cheia, naturalmente mutável, sem grafismos redutores.
Alguns
dirão que há situações que valem para eternidade justificando uma boa tatuagem,
e eu diria que nada é eternamente válido sob a mesma forma visual.
Maneiras
de pensar.
Publicado em NVR 10/02/2021
6 comentários:
Excelente tezto!
Excelente texto! Concordo! *Grafismos redutores e voláteis... o nosso corpo é um templo sagrado e de crrta forma estamos a profaná-lo ao fazer nele uma tatuagem! Por isso não sou capaz de tatuar o meu!
Excelente tezto!
Excelente tezto!
Grata, Ana André.
concordo com tudo, este novos temas que trazes para o jornal são muito interessantes.
1 Xi <3
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